
Quais terão sido de facto os números efectivos de pessoas infectadas e de mortos na China, pelo vírus da Covid-19? Nunca se saberá, é provavelmente a única certeza. É difícil, mesmo num país democrático e livre, serem contabilizados, sem dúvidas, os efeitos em nós humanos deste coronavírus. Mais ainda num país como a China onde a Internet é censurada e não há comunicação social independente do poder político. Podem-se fazer simples paralelismos com outros países tendo como modelos comparativos, por exemplo, a área e população da Itália, de Espanha e de outros muito afectados. Provavelmente, isso gera ainda mais dúvidas sobre os baixos números chineses de vítimas e de infectados, pelas enormes concentrações humanas que aí existem e pelas fracas condições sanitárias da generalidade do país. Na China, onde o vírus surgiu em Dezembro último, ou quando se aperceberam, já estava e a fazer sérios estragos. E nessas circunstâncias só teve as consequências locais que nos informam ter tido? Comparativamente com os países por onde vai devastando, vai fazendo muitos mais danos, e não será por ter sofrido mutações assim tão significativas, até por não haver, ainda agora, nenhuma vacina evite o que surgiu na China.
Se nos países ocidentais, ainda livres e democráticos, até é possível transmitir números sem confirmação — e que podem ser o inverso do que se passou na China por excessivos —, nesse país os números são que o Partido Comunista Chinês quer que sejam. Por outras palavras, são ostensivamente muito baixos: pelo menos desde há um mês que quase nunca aumentam significativamente. E o mais curioso — pela negativa — foi a tão cordata transmissão pela comunicação social, portuguesa e europeia, de tais números, sem sequer se questionar se não haveria nada nos mesmos que pudesse (e devesse) ser colocado em dúvida. E, claro, a ajuda, ou a venda, pela China ao Ocidente materiais médicos indispensáveis neste momento, distraiu, ainda mais, da questionabilidade em causa. Mas numa altura em que as democracias liberais estão a ser atacadas de tantos lados, por inimigos internos e externos, é uma responsabilidade social e política questionar esses números. Estes sugerem, erradamente, um “bom” governo do modelo (autoritário) chinês aos cidadãos europeus mais distraídos, predispostos, na aflição que vivem, a acreditar em salvadores.
© Augusto Küttner de Magalhães, 31/03/2020