Livro que me foi oferecido pelo amigo Nuno Guedes, no início deste Setembro de 2015, depois de – sem sabermos – termos em tempos e lugares distintos passado parte dos dias de férias, em França, onde leu o “Submissão”. (“Submissão”, romance passado em França em 2022.) Sem marcação prévia, por vezes tomamos café e temos rápidas conversas sobre os temas que estamos a viver, tais como, a decadência de valores que afecta todas as gerações, como educar os nossos jovens, hoje, o que o preocupa como pai. Como avô não tenho essas competências, mas também penso no futuro dos meus netos. E evidentemente no nosso, sendo o Nuno mais novo que, mas, se não pensarmos que vamos morrer já hoje, e vamos por cá continuar alguns tempos, por certo esperaríamos melhoras, confiantes que talvez não seja necessário descer “ainda”, mais para final começar a subir. E quando tudo é excessivamente mediático e imediato, quando a Memória e a História se resumem ao que se passou na última semana, tudo o que seja fazer-nos “livremente” pensar, pensar, e não assimilar a correr o que os outros querem que imaginemos, é muito necessário.
Como o Nuno Guedes leu a “Submissão” de Michel Houellebecq em França, e como segundo o próprio os livros não se emprestam, ofereceu-mo, o que muito me agradou e com gosto li. Michel Houellebecq: autor francês nascido na ilha de Reunião, escreveu e publicou vários romances e obras de poesia…o Prémio Concourt, o mais prestigioso prémio literário francês, foi-lhe
atribuído em 2010 pelo romance : “O mapa e o território”. Umas notas sobre “Submissão” de Michel Houellebecq:
– Convida a uma reflexão sobre o convívio e o conflito de culturas e religiões, desafiando a relação entre Ocidente e Oriente e entrecidadãos e instituições.
– Paris 2022: François, investigador universitário cumpre desapaixonadamente o ofício do ensino, a par de uma vida clama e impermeável a grandes dramas, uma rotina de quarentão apenas
ocasionalmente inflamada pelos relacionamentos passageiros com mulheres cada vez mais jovens. É também com indiferença que vaiacompanhando os acontecimentos políticos do seu país.
-Às portas das eleições presidenciais, a França está dividida. O recém-criado partido da Fraternidade Muçulmana conquista cada vez mais simpatizantes… numa disputa directa com a Frente Nacional. O país obcecado por “reality shows” e celebridades, acorda para a política e toma de assalto as ruas de Paris. Somam-se os tumultos, os carros incendiados, as mesas de voto destruídas. E agora, algumas frases que sublinhei enquanto fui lendo, o que faço sempre para além de anotações nas margens, quando os livros ao meus:
– É óbvio que não é fácil, para um ateu, falar de uma sucessão de livros, cujo assunto principal é a conversão religiosa…
– … a Fraternidade Muçulmana alarga a sua audiência muito para lá da sua estrita área confessional…
– … uma conversa de homens, essa coisa curiosa sempre a meio caminho entre o duelo e a mariquice.
– E todas as imagens de violência urbana representam mais votos para a Frente Nacional.
– … Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine, ainda estava muito ligado à antiga tradição da extrema-direita francesa.
– … multiplicação, em todos os canais televisivos , de programas dedicados à cozinha…
– … tele-realidades medíocres sobre a obesidade…
– …pratos para aquecer no micro-ondas, invariavelmente insípidos, mas com embalagens alegres e coloridas…
– … hoje em dia o carácter incontornável da economia de mercado era unanimemente aceite.
– …o verdadeiro inimigo dos muçulmanos, aquilo que eles temem e odeiam acima de tudo, não é o catolicismo mas o secularismo, a laicidade, o materialismo ateu. Para os muçulmanos os católicos são crentes, o catolicismo é uma religião do Livro…
– … uma Europa alargada que inclua os países do perímetro mediterrânico.
– …como Israel estava em guerra desde a sua origem, os atentados e combates pareciam inevitáveis, naturais…
– …à saída em massa das mulheres do mercado de trabalho…
– … as grandes unidades industriais tinham continuado a fechar em França… enquanto a agricultura e o artesanato se safavam airosamente…
– No regime islâmico as mulheres … tinham a possibilidade, no fundo, de continuar a ser crianças praticamente durante toda a vida. Pouco depois da saírem da infância, tornavam-se elas próprias mães, e voltavam a mergulhar no universo infantil. Claro que perdiam a autonomia…
Um romance passado em 2022 e que nos faz pensar, que nos faz afastar, do que querem que não vejamos e que nos fará ao uno Guedes e a mim continuemos ocasionalmente, a tomar rápidos cafés e a “pensar” sobre estes temas, e sobre um putativo futuro melhor, nada fácil para todos nós, obrigado Nuno. Claro que a “Submissão” de Michel Houellebecq, deveria ser uma base de
leitura para muitos que não queiram utilizar o tempo que têm ao fim do dia a ver “reality shows”, ou programas parecidos, mas…é mais fácil deixarmo-nos ir na onda, na corrente, e outros a fazerem-nos o pensamento. Formatados que todos já estamos!
© Augusto Küttner de Magalhães, 14/09/2015