1. Excelente filme sobre a intelectual alemã, de ascendência judaica, Hannah Arendt, mais tarde naturalizada norte-americana. Para além de uma fotografia de grande qualidade, a actriz Barbara Sukowa faz uma notável interpretação de Hannah Arendt, no seu período de vida em Nova Iorque, centrado nos inícios da década de 60. Arendt faz parte de um grupo de intelectuais de judeus alemães que, nos anos 20 e 30, foram alunos do filósofo germânico Martin Heidegger (ver o livro de Richard Wolin, “Heidegger’s Children: Hannah Arendt, Karl Löwith, Hans Jonas e Herbert Marcuse”, Princeton University Press, 2003). Ironicamente, Heidegger, com quem Hannah Arendt terá tido uma relação amorosa enquanto aluna, ao de leve retratada no filme, era simpatizante do partido nazi. É ainda focada a amizade de Hannah Arendt com Hans Jonas, um dos membros mais proeminentes desse grupo – este tornou-se num dos filósofos do moderno ambientalismo e influente entre o movimento ecologista alemão –, a qual se rompeu mais tarde devido ao caso Eichmann. O estranho percurso de certas ideias filosóficas e políticas é um dos aspetos mais curiosos da história intelectual e política do século XX. O filme, embora sem propriamente o abordar, sugere-o ao espectador mais atento à subtileza dos diálogos.
2. O argumento principal desenrola-se à volta julgamento do criminoso de guerra nazi Adolf Eichmann, detido pela Mossad na Argentina e levado para Israel para julgamento, que decorreu em 1961. Hannah Arendt, que teve de fugir da Alemanha devido à perseguição nazi nos anos 30, foi a Jerusalém assistir ao julgamento, fazendo um longo artigo para a revista “New Yorker”. Na época, o seu texto provocou enorme controvérsia, especialmente entre os judeus norte-americanos. Arendt notou que os depoimentos de algumas testemunhas no julgamento de Eichmann sugeriam que certos líderes comunidades judaicas na Europa dos anos 30 e 40, por esta ou aquela razão, tinham facilitado a tarefa dos nazis. Mas, mais controversa ainda, foi a tentativa de compreender a argumentação de Eichmann durante o julgamento. Em sua defesa, este argumentava ter apenas atuado como um mero burocrata, cumprido ordens e respeitando a lei alemã, ou seja, a legalidade do Estado nazi. Isto, aparentemente sem se confrontar com problemas de consciência moral, mesmo sabendo que a sua atuação era uma peça no extermínio da população judaica. Foi a esta atitude de indiferença e total desprezo pela vida humana, característica dos totalitarismos do século XX, que Hannah Arendt chamou “a banalização do mal”.
© José Pedro Teixeira Fernandes
Imagem, poster (domínio público, Wikipedia), do filme Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta, 2012