1. Chateaubriand e Washington Irving têm uma brilhante sucessora pós-moderna na professora de Literatura Espanhola e Portuguesa na Universidade de Yale, María Rosa Menocal. No seu livro Ornament of the World. How Muslims, Jews and Christians Created a Culture of Tolerance (Ornamento do Mundo. Como Muçulmanos, Judeus e Cristãos Criaram uma Cultura de Tolerância, editado originalmente em 2002), dá-nos uma “lição de História” sobre a convivencia, lado a lado, das três culturas (muçulmanos, cristãos e judeus) no Al-Andalus e as realizações culturais dos árabes-berberes da Península. Já tinha essa impressão do livro de Juan Vernet, Lo que Europa debe al Islam de España (1999), mas agora, com María Rosa Menocal, fiquei convencido! Nem o Renascimento teve origem nas cidades do Norte de Itália, nem a revolução científica teve as suas bases no Ocidente do século XVII, nem o Iluminismo foi inventado pelos arrogantes filósofos franceses no século XVIII, nem o diálogo inter-religioso das três religiões abraâmicas foi criado pelo Concílio Vaticano II, nem sequer o multiculturalismo e as políticas de identidade pós-modernas, derivadas do pensamento de Foucault, Derrida e outros, afinal têm nada de original. Já tudo isto existia, de alguma maneira, no Al-Andalus. Quando aos nativos da península, os cristãos hispano-visigóticos e outros indígenas, eram sem dúvida uns rústicos agressivos e pobres de espírito, que só podiam ter ficado gratos à mission civilisatrice e ao “Iluminismo” dos conquistadores árabes-berberes. Aqueles que sustentaram que “todas as culturas são boas”, como os antropólogos culturais Frank Boas, Margareth Mead e Claude Lévy-Strauss andaram a fazer ao longo de décadas, estão errados. A investigação “estórica” de María Rosa Menocal mostra convincentemente como há culturas superiores (a árabe-muçulmana) e outras inferiores (a cristã-latina).
2. “Estranhamente”, há ainda escritores e professores de Literatura que não aceitam esta narrativa “científica” e escrevem coisas contra a corrente como esta: “A existência de um reino muçulmano na Espanha medieval onde diferentes raças e religiões viviam harmoniosamente em tolerância multicultural, é um dos mitos hoje mais espalhados. Os professores ensinam-no nas universidades. Os jornalistas repetem-no. Os turistas que visitam o Alhambra aceitam-no […] O problema com esta crença é que é historicamente infundada, um mito. As realizações culturais fascinantes da Espanha muçulmana não podem obscurecer o facto de que esta nunca foi um exemplo de convivencia pacífica.” (p. 23). Assim começa de forma irritante, contra a corrente, o artigo de Darío Fernandéz-Morera, professor de Espanhol e Português e de Literatura Comparada da Northwest University dos EUA, publicado em finais de 2006 na Intercollegiate Review o artigo The Myth of the Andalusian Paradise (O Mito do Paraíso Andalusiano). Adivinha-se que não fará parte da bibliografia utilizada pela grande maioria dos escritores, poetas e comentadores políticos. A sua leitura é também (des)aconselhada para todos que pretendem (re)construir o passado à luz da ideologia multicultural do presente.
© José Pedro Teixeira Fernandes, 1/02/2008. Última revisão 18/06/2014
© Imagem: capa do Livro “The Ornament of the World: How Muslims, Jews, and Christians Created a Culture of Tolerance in Medieval Spain”, de Maria Rosa Menocal (Back Bay Books, 2003)