1. Andrew Keen é um crítico cáustico da revolução digital, em especial de algumas consequências desta para a vida em sociedade e alta cultura. No seu anterior livro, “O Culto do Amador” (2006) denunciou, de forma particularmente contundente, a utopia libertário-anárquica ligada à Web 2.0 (simbolizada pelos blogues, Youtube, etc.), qualificando-a como uma nova versão das clássicas utopias políticas dos séculos XIX e XX. Para este, o jargão associado à Web 2.0 não é mais do que uma linguagem absurda, herdada da contracultura hippie dos anos 60/70, agora embelezada e sofisticada numa fraseologia de tipo sociológico. O seu argumento é curioso e vai à raiz política da questão. Em termos ideológicos, trata-se de uma fusão entre “o radicalismo dos anos 60 com a escatologia utópica da tecnologia digital”. O provável resultado pode ser bastante negativo para a sociedade no seu conjunto. Isto porque a Web 2.0 abriu caminho àquilo este chamou “o culto do amador”. Desta forma, estar-se-á a destruir o que usualmente se designa por “alta cultura”, bem como o conhecimento especializado nas mais diversas áreas do saber. Este necessita de anos de formação e treino não sendo compatível com a lógica “amadora” da Web 2.0.
2. No seu mais recente “Vertigo Digital” (2012) – uma alusão ao clássico filme de Alfred Hitchcock –, Keen ataca o “lado negro” das redes sociais (Facebook, Twitter, LinkedIn, etc.). Ainda estou nas páginas iniciais da leitura, mas, tal como o livro anterior, promete polémica, reflexões interessantes e comparações curiosas com o passado. O edifício “panóptico” de Jeremy Bentham, concebido no início do século XIX para vigiar sem ser visto, surge como um precedente exótico da atual (ciber)vigilância. Keen retoma aqui as ideias de Foucault sobre “vigiar e punir” (1975) e os mecanismo de poder nas modernas sociedades capitalistas. Ironicamente, agora é a atual obsessão pela visibilidade do próprio indivíduo que abre caminho a possíveis consequências nefastas. A crescente perda de privacidade é um resultado negativo bastante óbvio. Num cenário ainda pior, poderá abrir-se caminho a um cada vez maior controlo de todas as esferas vida individual, seja pelo Estado, seja por empresas ligadas às tecnologias digitais, nomeadamente os fornecedores de ligações à Internet e de comunicações. A discussão sobre o direito de não querer ter a sua imagem divulgada, ou de que o Estado, ou uma empresa privada, tenha os nossos dados pessoais, ou que saiba onde nós estamos, é um assunto bem sério. No limite, é uma questão de Direitos Humanos. Nada tem a ver com ser avesso à tecnologia ou à inovação (o próprio Keen é um empresário da era digital, em Silicon Valley). Aliás, este lembra como uma discussão legal sobre o direito à não imagem pública, ou seja, à privacidade, emergiu logo com os primórdios da fotografia, no século XIX. Adquiriu, no entanto, com as atuais redes sociais, uma dimensão inimaginável para os nossos antepassados. Para estes, o afastamento da possibilidade de intromissão de estranhos, governantes ou não, na esfera privada do indivíduo, foi um reivindicação central da sua luta pela liberdade, conquistada com grandes sacrifícios incluindo da própria vida.
© José Pedro Teixeira Fernandes