1. Quando pensamos em propaganda pensamos, quase automaticamente, no seu uso por regimes totalitários. Não é surpreendente, pois essa foi a experiência história bem traumática, europeia e ocidental, dos anos vinte aos anos quarenta do século XX. À mente vem-nos o seu uso por Mussolini durante o fascismo italiano, de Hitler na Alemanha nazi e também a versão estalinista-soviética, a qual perdurou ainda após o final da II Guerra Mundial. Na altura, os novos media de massas, a rádio, o cinema e a emergente televisão foram habilmente utilizados e manipulados para mobilizar a população e endoutriná-la numa certa visão ideológica totalitária. No caso do fascismo, a encenação propagandística de um “espectáculo para massas”, está bem analisada e documentada no livro de Simonetta Falasca-Zamponi “Fascist Spectacle. The Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy“.
2. Hoje, agora num quadro de sociedades democráticas e plurais, os mecanismos de propaganda tendem a ser mais subtis, mas não deixam, por isso, de ser eficazes. Há, desde logo, o fenómeno da(s) diversas “novilíngua(s)” que procuram desarmar intelectualmente o cidadão. Assistimos, no entanto, a uma perda de monopólio do Estado no uso da propaganda e à sua utilização por diversos atores, políticos e económicos ou sociais, sob múltiplas formas e outros nomes. Por exemplo, quando alguém procura um jornal, ou um livro de literatura – seja nas versões físicas ou digitais – , espera, tipicamente, informar-se e/ou “cultivar-se”. Mas será o que lê-mos razoavelmente “objetivo” e neutro do ponto de vista ideológico? Para além dos jornais e revistas assumidamente comprometidos com uma linha ideológica, serão os media e a literatura imunes à promoção de causas, agendas políticas, económicas ou sociais e a visões do mundo simpáticas para quem escreve (ou para os donos dos media…)? Obviamente que não são, até porque, mesmo tendo a objetividade por ideal (o que em muitos casos nem sequer acontece), há sempre uma inevitável intermediação humana entre os acontecimentos e o relato destes. Uma discussão interessante do uso da Literatura para propaganda está no recente artigo da revista “The Atlantic” (17/06/2014) “Is Literature ‘the Most Important Weapon of Propaganda’?”
3. Para ajudar a reflectir sobre estas questões, um dos livros mais curiosos feito sobre a propaganda é da autoria de Jacques Ellul e intitula-se precisamente “Propaganda” (está facilmente acessível na trad. ingl. publicada pela Vintage Books). Originalmente publicado em língua francesa nos anos 60, em pleno conflito ideológico da Guerra Fria, encontra-se, nalguns aspectos, naturalmente datado. Todavia, contém também reflexões sagazes, que permanecem úteis para os tempos atuais. Uma das reflexões que se podem encontrar no livro dá que pensar. Como faz notar Ellul, ao contrário do que se poderia supor à primeira vista, um dos paradoxos da moderna e (sofisticada) propaganda é que são os indivíduos mais instruídos e cultos tendencialmente os mais susceptíveis de serem por esta afectados. A razão é simples: são os que consomem maior volume de “informação” muita da qual é impossível de confirmar, por falta de tempo ou de meios. Com a atual “proliferação” de informação na Internet e redes sociais o problema ganhou hoje uma renovada atualidade.
© José Pedro Teixeira Fernandes, 20/06/2014
© Imagem: Livro “Fascist Spectacle. The Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy” de Simonetta Falasca-Zamponi (University of California Press, 2000)