Um novo mundo está a tomar forma neste final de milénio. Tem origem mais ou menos no fim dos anos 60 e meados da década de 70 na coincidência histórica de três processos independentes: revolução da tecnologia da informação; crise económica do capitalismo e do estatismo e a consequente reestruturação de ambos […] A interacção entre esses processos e as reacções por eles desencadeadas fizeram surgir uma nova estrutura social dominante, a sociedade em rede; uma nova economia, a economia informacional/global; e uma nova cultura, a cultura da virtualidade real.
Manuel CASTELLS (1999, p. 411)
Decorridos 20 anos desde a invenção e divulgação pública da World Wide Web[1] por Timothy John Berners-Lee (Tim Berners-Lee), existe já um horizonte temporal suficientemente alargado para se olhar retrospectivamente para os primeiros tempos da Web, confrontando as expectativas iniciais com a realidade em que esta se transformou. Assim, neste artigo propomo-nos revisitar a sociedade em rede a partir da teorização iniciada por Manuel Castells há uma década e meia atrás. O principal objectivo é analisar a evolução ocorrida nos primeiros 20 anos e avaliar em que medida se transformou numa sociedade de risco, no sentido que Ulrich Beck deu ao conceito. Nesta evolução/transformação, um ênfase especial é dado à substituição dos ideais tecno-libertários iniciais pelas actuais preocupações económicas, que ameaçam a neutralidade da Internet, e securitárias, de que o risco de uma ciberguerra é o exemplo mais extremo.
- A emergência da sociedade em rede: Internet, World Wide Web[2] e revolução digital
É bem conhecido que a Internet teve a sua origem na década de 60, no contexto da competição da Guerra Fria, entre os EUA e a ex-União Soviética. Esta surgiu como resultado de uma colaboração entre os meios militares e universitários norte-americanos, quando foi criado um sistema de comunicação entre computadores. Em termos de precursores da actual Internet, e da sua parte mais conhecida, a World Wide Web, há alguns marcos relevantes que importa relembrar. Numa lógica futurista para a época, Norbert Wiener introduziu no final da década de 40 do século XX o conceito de “cibernética”, um neologismo cunhado a partir da palavra grega kybernetiké[3]. No sentido que Norbert Wiener lhe deu, tratava-se de agir pelo comando e controlo da totalidade do ciclo de informações. Outro precursor, agora sobretudo do ethos da sociedade em rede e que terá inspirado a própria criação da World Wide Web, foi Stewart Brand com o seu visionário Whole Earth Catalog[4]. As suas ideias influenciaram também a concepção da revista “tecno-libertária” Wired (Fred Turner, 2008).
Em termos tecnológicos, a primeira antecessora da Internet foi a ARPA(NET) ,[5] criada pela Advanced Research Projects Agency – uma agência associada ao Pentágono – e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Tratou-se de uma rede experimental[6] que tinha por objectivo permitir computadores comunicarem entre si, independentemente do fabricante, sistema operativo, hardware ou distância geográfica. Um outro marco relevante data de 1969, quando ocorreu aquilo que normalmente é considerado o envio da primeira mensagem de correio electrónico (email)[7]. O processo deu-se entre um computador da University of California Los Angeles (UCLA) e um outro computador situado no Stanford Research Institute. Em 1973 surgiu outro avanço importante quando, Robert Kahn da ARPA e Vinton Cerf da Universidade de Stanford, na Califórnia, elaboraram, num trabalho conjunto, a arquitectura básica da Internet. No final da década de 70, com os protocolos TCP/IP[8] em fase avançada de desenvolvimento, foi constituído o Internet Control and Configuration Board (ICCB), um comité informal destinado a coordenar o desenvolvimento desses protocolos e da arquitectura de comunicação. Em 1983, a ARPA(NET)[9] – à qual esteve ligado outro pioneiro, Jonathan Bruce Postel (ou Jon Postel, como é mais conhecido) – deu origem à Military Network (MILNET), usada para fins militares, e à ARPA-INTERNET, criada para pesquisa e desenvolvimento. Em meados dos anos 80, a National Science Foundation (NSF) dos EUA, tendo por objectivo distribuir o acesso aos cinco centros de supercomputadores utilizou os protocolos da ARPA(NET) a NSF ligando-os entre si para formar o backbone[10] NSF(NET). As redes regionais foram formadas no fim dos anos 80 para fornecer acesso a este backbone, à qual as universidades e diversas organizações de pesquisa ligaram também as suas redes. A designação Internet foi então utilizada para se referir ao conjunto rede.
Nesta fase embrionária, as internetworks eram essencialmente suportadas por financiamentos públicos o que implicava, também, regras estritas sobre o seu uso. As organizações que podiam utilizar a Internet – tipicamente agências governamentais e universidades – tinham de o efectuar no âmbito dessas regras. Ou seja, a rede podia ser usada ligada a actividades de pesquisa científica e tecnológica ou para actividades académicas e educativas. Todavia, não podia ser utilizada, por exemplo, para fins comerciais ou publicitários. Tudo isto sofreu profundas alterações quando, no início da década de 90, a Internet foi retirada do controlo militar passando a sua gestão para a National Science Foundation (NSF) dos EUA. Com a tecnologia para a criação de redes informáticas aberta ao domínio público e com as telecomunicações em processo de liberalização, a NSF avançou com privatização de Internet[11]. Foi nessa altura – finais de 1990 –, que foi inventada a World Wide Web[12] (designação que poderá ser traduzida como “rede de alcance global”), pelo engenheiro britânico Tim Berners-Lee e os seus colegas do Centre Européeenne pour la Recherche Nucléaire (CERN) de Genebra. A este se deve a primeira comunicação bem-sucedida entre Hyper Text Transfer Protocol (HTTP)[13] e um servidor, utilizando o protocolo TCP/IP. A partir daqui, o fornecimento de internetworks passou a ser, crescentemente, uma actividade empresarial, dominada por empresas privadas. Estas começaram a fornecer serviços de Internet para uso empresarial ou privado.
- O ethos da “cultura da Internet” inscrito na sociedade em rede
Conforme já referimos, a Internet surgiu de forma inicialmente restrita, resultando da colaboração entre universidades e centros de investigação próximos dos meios militares norte-americanos. Todavia, apesar das restrições dessa fase pioneira, existia também uma faceta de aberta à colaboração a nível internacional. Isto permitiu a todos os que tivessem interesse, e, obviamente também, os conhecimentos técnicos necessários, uma possibilidade de participar no processo da sua construção e desenvolvimento. Esta lógica de trabalho “comunitário”, não lucrativo, característica da contracultura da década de 60 está, assim, inscrita no próprio ethos da Internet e da sociedade em rede – hoje, a sua projecção mais óbvia, é o movimento para o software livre[14], nas suas múltiplas ramificações. Voltando à génese da Internet e da sociedade em rede, o sociólogo Manuel Castells explica-as como resultando de uma “encruzilhada insólita entre a ciência, a investigação militar e a cultura libertária” (2004, p. 34). Todavia, no seu ethos, não está apenas inscrita a filiação na contracultura dos anos 60. Manuel Castells (idem p. 83) caracteriza a “cultura da Internet” de forma abrangente, como tendo sido “construída sobre a crença tecnocrática no progresso humano através da tecnologia, praticada por comunidades de hackers que prosperam num ambiente de criatividade tecnológica livre e aberta, assente em redes virtuais, dedicadas a reinventar a sociedade, e materializada por empreendedores capitalistas na maneira como a nova economia opera[15].”
Partindo da referida definição podemos autonomizar quatro dimensões relevantes, cada uma das quais com a sua contribuição própria: i) a dimensão da cultura tecnomeritocrática; ii) a dimensão da cultura hacker[16]; iii) a dimensão da cultura comunitária virtual; iv) e a dimensão da cultura empreendedora. Em primeiro lugar, a cultura tecnomeritocrática a qual está inscrita no ambiente que permitiu a invenção da Internet. Este foi um ambiente académico-científico de tipo elitista e orientado para a inovação tecnológica, largamente estimulado pela própria comunidade científica, sobretudo pelo seu impacto prestigiante, dentro desta e na sociedade em geral. Em segundo lugar, a dimensão da cultura hacker – no sentido inicial do conceito. Embora a lógica do hacker dos primeiros tempos da revolução digital também tivesse por objectivo a inovação tecnológica, assentava num ideal que não era exactamente o da tecnicomeritocracia. A lógica da cultura hacker era poder usar livremente os conhecimentos produzidos por outros, e, de forma também livre, ou seja, sem intuitos comerciais, tornar os novos conhecimentos acessíveis a outros na rede. A cultura hacker está assim também no cerne do referido movimento para o software livre. Por outro lado, os hackers originais da revolução informática poderiam ser qualificados como imbuídos de uma visão “libertária”, ou até “anárquica”, pois não dependiam de nenhuma instituição educativa, empresarial ou outra. Este tipo de hacker, pelo seu lado visionário, e pelo seu papel determinante na fase de criação da Internet, aproximou-se do “génio criativo”, no sentido que esta designação adquire no mundo das artes. Em terceiro lugar, a dimensão comunitária virtual, a qual está directamente relacionada com o uso dado à tecnologia. Integram-se nesta cultura comunitária virtual os que tendem a utilizar a Internet sobretudo para o desenvolvimento de contactos ou relações sociais. Tipicamente são indivíduos com conhecimentos técnicos limitados, tendo competências maiores ou menores na óptica do utilizador, mas que mostram grande apetência pelo uso da World Wide Web desde a sua “explosão”, em meados dos anos 90. Esta dimensão transformou a Internet num novo “instrumento para a organização social, a acção colectiva e a construção de sentido” (idem, p. 76). Uma quarta e última dimensão surge ligada à cultura empreendedora e está estreitamente ligada a um uso económico e com fins lucrativos da tecnologia. A cultura empreendedora alicerça-se na inovação empresarial e no apoio financeiro a projectos de risco elevado, sendo movida por uma perspectiva de lucros muito significativos resultantes da aposta em start-up(s) de base tecnológica, ligadas à economia digital.
Um aspecto particularmente relevante da sociedade em rede é o da emergência da chamada nova economia, também por vezes designada como e-economia, ou economia digital. Manuel Castells caracteriza-a, antes de mais, pela existência de práticas empresariais inovadoras organizadas em torno das redes. A capacidade de gerar conhecimento permitida pelo acesso à informação aberta on-line combinada com as ideias inovadoras são os principais alicerces desta nova economia (ibidem, p. 100). Estas tendências não são exclusivas das empresas relacionadas com a Internet, ou do sector tecnológico, mas são generalizadas ocorrendo de forma transversal a toda a economia. Um outro aspecto novo, com implicações económicas generalizadas, é a rede tornar possível obter um feedback dos consumidores em tempo praticamente real, o que tem significativas consequências nas formas de produção e de gestão. Fora da chamada economia real, um traço característico importante prende-se com a volatilidade dos mercados financeiros. Estes tendem a ser crescentemente dominados por “turbulências de informação” (ibidem, p. 112) e a tornar-se mais instáveis e imprevisíveis na medida que se afastaram das tradicionais formas prudenciais de avaliação do mundo dos negócios. Na economia e sociedade em rede, o risco, a incerteza e a mudança tornaram-se numa característica constante dos mercados financeiros. Esta tendência também é alimentada pela multiplicidade de informações on-line (muitas delas difíceis de confirmar, tornando-se quase impossível destrinçar, pelo menos em tempo útil, a informação fidedigna dos rumores ou manipulações). Obviamente que tudo isto dificulta a tomada de decisão pelos investidores, gerando, por exemplo, reacções instantâneas, por vezes irracionais, de alguma forma impulsionadas pela avalanche (des)informativa da sociedade em rede.
Por sua vez, fora do terreno económico e dos mercados financeiros, surgiram lógicas de sociabilidade novas, através das comunidades virtuais. As pessoas passaram crescentemente a organizar-se, em torno dos seus valores, afinidades, projectos e interesses específicos, usando as novas possibilidades tecnológicas conferidas pela revolução digital (Internet, telemóveis, correio electrónico, etc.). Constata-se assim, que na sociedade em rede ocorre uma transição do predomínio das tradicionais relações primárias – família, lugar de residência, emprego –, para um novo sistema de relações sociais de base mais individualista (ibidem, p. 158). Naturalmente que aqui poderíamos também incluir a tendência para a expansão do teletrabalho[17] (por vezes designado como “trabalho na era digital”), especialmente notória no sector dos serviços – por exemplo através do outsourcing de call-centers, de empresas telefónicas, bancárias, etc. Outra tendência, agora no cruzamento do social e do político, é a do surgimento de movimentos sociais activos na Internet (grupos feministas, ecologistas, religiosos, pacifistas, etc.). A rede converteu-se, assim, num espaço para activismo em prol de “causas”, ou, então, num espaço privilegiado para manifestar descontentamento, em termos sociais e políticos ou para mobilizar pessoas para acções no mundo real. Para Castells este é um fenómeno positivo que leva ao empowerment (“empoderamento”) do cidadão. Nesta óptica, a Internet contém uma mais-valia para a democratização, permitindo tendencialmente igualar “as condições nas quais distintos actores e instituições podem agir” (ibidem, p. 197).
- Uma “galáxia” desigual e em rápida expansão
Um dos pioneiros da Internet, Joseph Carl Robnett Licklider (ou apenas J.C.R LickLider), referia-se, no longínquo ano de 1962, à formação de uma “rede galáxica”. Provavelmente influenciado por essa designação, Manuel Castells deu a um dos seus livros sobre a actual era digital o título de A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade (2004). Trata-se, pela própria formação do autor, de uma obra de perfil sociológico que procura analisar a Internet para além dos aspectos tecnológicos, interpretando o(s) seu(s) uso(s) como um fenómeno social e humano. Mas qual é hoje a verdadeira dimensão da “galáxia internet” tendo como critério de referência o número de utilizadores da rede? Para responder a esta questão vamos recorrer às estatísticas disponibilizadas pela Internet World Stats, que nos fornecem, em termos quantitativos, uma imagem sobre a actual dimensão da “galáxia Internet”. Começando por dar uma visão panorâmica, uma das coisas que chama à atenção é a forma como o número de utilizadores da Internet cresceu, de maneira avassaladora, ao longo da primeira década do século XXI. Actualmente esse número supera os 2 biliões de utilizadores activos em todo o mundo, a maioria dos quais (922, 3 milhões), estão situados na Ásia[18], que é também o continente mais vasto, heterogéneo e populoso do planeta. Esta predominância em valor absoluto da Ásia no seu conjunto, não significa, naturalmente, que em termos relativos a taxa de penetração da Internet na população total desse continente seja elevada comparativamente a outras regiões mundiais. Na realidade, quando olhamos para as taxas de penetração da Internet verificamos que a Ásia – apesar de todo o seu potencial em se tornar o “centro do mundo” ao longo do século XXI –, ainda tem um longo caminho a percorrer. Obviamente que esta visão macro do continente asiático aglutina realidades completamente heterogéneas, em termos económicos, sociais e de acesso à rede. Basta pensarmos no que é, por exemplo, a realidade do Japão, da Coreia do Sul ou de Singapura, face à da Mongólia, à do Afeganistão ou do Butão. De qualquer maneira, importa reter que a taxa actual de penetração da Internet (percentagem de utilizadores da Internet na população total), é de 23,8%, enquanto nas áreas do mundo de desenvolvimento mais antigo, como a Europa e a América do Norte, a sua taxa de penetração é várias vezes superior: 58,3% na Europa continental e 78,3% na América do Norte. Pela sua própria dimensão populacional, verifica-se um peso dos asiáticos no uso da rede superior aos das populações de qualquer um dos outros continentes. De facto, em meados de 2011, 44% dos utilizadores da Internet tinham origem na Ásia, enquanto 22,7 % tinham origem na Europa continental e 13,0% na América do Norte. Nas restantes áreas do mundo verificam-se valores menores, que denotam taxas médias de penetração da Internet no conjunto da população baixa – a excepção é a Oceânia/Austrália, que origina 1,0 % dos utilizadores mundiais, com a escassas dezenas de milhões pessoas. O peso dos utilizadores oriundos da América Latina no global é de 10,3%, dos africanos de 5,7%, e do Médio Oriente de 3,3%.[19]
Embora estes dados mostrem que a “galáxia Internet” é uma realidade notoriamente desigual, onde os graus de acesso à rede são muito variáveis dentro das regiões do mundo e os países considerados – o que levanta, desde logo, o problema dos excluídos da sociedade em rede –, é inegável constatar-se a existência de um processo que pode ser considerado de globalização. Mais de 2 biliões de seres humanos, um pouco por todo o planeta, estão ligados em rede e potencialmente em contacto – ou seja, cerca de 30% da população mundial, tendo em conta que a Terra tem actualmente 6,94 biliões de habitantes[20]. Para além disso, a tendência expectável é a de que o número de utilizadores aumente significativamente nas próximas décadas, quer em termos absolutos, quer em termos relativos, intensificando este processo de globalização.
Um outro dado interessante está relacionado com a questão das línguas. De facto, para existir uma sociedade em rede globalizada é condição sine qua non, mas não suficiente, a difusão de uma tecnologia que permita o contacto e a interacção. É também necessário que exista(am) uma ou mais línguas que seja(m) um instrumento transversal de comunicação. Por outras palavras, é necessária uma “língua franca” global, a par de línguas francas regionais, tal como ocorreu, em termos históricos, com o Latim no Ocidente medieval europeu. Claro que isto também pode ter um preço a pagar. Esse preço é a progressiva exclusão e irrelevância a que tendem a ser condenadas as línguas que não podem atingir esse estatuto, seja pelo número de falantes nativos ser reduzido, ou por outras razões de tipo geográfico, económico ou cultural. À primeira vista, a Internet é uma babel de línguas e é um também um espaço de liberdade bastante propício à revitalização ou recriação de línguas, que não tinham o seu estatuto oficial reconhecido pelos governos ou estavam tendencialmente “mortas”. Uma das aplicações mais emblemáticas da World Wide Web e dos ideais comunitários da rede – a enciclopédia livre Wikipédia, onde coexistem o melhor e o pior em termos de conhecimento humano –, transmite-nos nitidamente essa ideia, ao anunciar ter edições em 276 línguas[21]. A questão é que essa enorme diversidade linguística, é, em grande parte, “folclórica” sendo, para a esmagadora maioria dos utilizadores da rede, irrelevante, quer do ponto de vista do interesse ou curiosidade cultural, quer, sobretudo, do ponto de vista mais pragmático de meio de comunicação. Como já era expectável encontra-se uma primazia do inglês (536,6 milhões de utilizadores nessa língua) – os mais críticos dirão mesmo que a expansão da Internet e da globalização favoreceu o “imperialismo cultural” da língua inglesa.
- Sociedade em rede, sociedade de risco
No âmbito da reflexão sociológica sobre o actual período da humanidade, Ulrich Beck, tal como Anthony Giddens, rotulam o período contemporâneo de “modernização reflexiva”, ou como “segunda modernidade”. A actual fase é vista com um período em que os princípios da modernidade foram levados ao extremo e se radicalizaram. Assim, a primeira modernidade teria sido caracterizada pela confiança no progresso e pela crença na possibilidade de controlo do desenvolvimento científico-tecnológico e da natureza. Por sua vez, a “modernidade reflexiva” será a fase contemporânea, onde o desenvolvimento da ciência e da tecnologia já não permitem prever integralmente os riscos que contribuíram para criar, nem realizar um controlo efectivo dos mesmos. Importa notar que na abordagem original de Beck o arquétipo do “risco” eram as questões ecológicas e a sua relação com a tecnologia. O não enfâse na sociedade em rede – notório quando comparado com trabalhos como o de Castells – resulta, desde logo, do facto do conceito de “sociedade de risco” ser anterior à expansão da Internet para fora dos meios académico e militar e ao surgimento da sociedade em rede. Recorda-se que o conceito de “sociedade de risco” foi pela primeira vez proposto em 1986[22], em língua alemã, ainda no contexto da político-ideológico da Guerra Fria. Ganhou posteriormente uma ampla difusão, a partir de 1992, com a sua tradução e publicação em língua inglesa, agora já num contexto de pós-Guerra Fria e de globalização em marcha. Mais recentemente, num outro trabalho originalmente publicado em finais dos anos 90, o mesmo autor fazia notar que “à medida que se desvanece o mundo bipolar, passamos de um mundo de inimigos a um mundo de perigos e de riscos”. Sobre o significado de risco, Ulrich Beck clarifica-o da seguinte forma: “risco é o enfoque moderno da previsão e controlo das consequências futuras da acção humana, das diversas consequências não desejadas da modernidade radicalizada. É uma tentativa (institucionalizada) de colonizar o futuro, um mapa cognitivo. Toda a sociedade, obviamente, experimentou perigos. Todavia, o regime do risco é uma função de ordem nova: não é nacional, mas global. Está intimamente relacionado com o processo administrativo e de decisão. Anteriormente, essas decisões eram tomadas com normas fixas de calculabilidade, ligando meios e fins, causas e efeitos. A ‘sociedade de risco global‘ invalidou precisamente essas normas”. Segundo este, tudo isto se tornou muito evidente nas companhias de seguros privadas, provavelmente o “melhor símbolo do cálculo e da segurança alternativa, as quais não cobrem os desastres nucleares, nem as mudanças climáticas e as suas consequências, nem o colapso das economias asiáticas, nem os riscos de baixa probabilidade e graves consequências de diversos tipos de tecnologia futura. De facto, os seguros privados não cobrem a maiorias das tecnologias controversas, como a engenharia genética. Sobre os aspectos novos que esta noção implica acrescenta ainda o seguinte: “o conceito de risco e de sociedade de risco combina o que em tempos se excluía mutuamente: sociedade e natureza, ciências sociais e ciências da matéria, construção discursiva do risco e materialidade das ameaças” (Beck, 2002, p. 5).
A referida ideia de risco e de sociedade de risco de Beck pode ser aplicada à sociedade em rede, na medida em que esta assenta numa criação tecnológica da modernidade reflexiva. O progresso tecnológico que permitiu a sociedade em rede – com todos os imensos benefícios que daí resultaram –, trouxe consigo uma nova área de risco para as sociedades humanas, consequência paradoxal (inevitável?) do seu sucesso. Para além das possibilidades de extorsão financeira, de vendas fraudulentas, de pirataria de filmes, música ou livros, etc. – que cabem no âmbito das infracções legais e/ou criminalidade –, surgiram também possibilidades adicionais de difusão de ideologias políticas radicais e violentas e, aspecto de risco inteiramente novo, uma possibilidade de os conflitos internacionais decorrerem no ciberespaço, em paralelo, ou não, com uma guerra física. Paradoxalmente, esta nova possibilidade que, num cenário extremo, poderá ser imensamente destrutiva só se tornou possível pelos avanços tecnológicos da sociedade em rede. Indubitavelmente, estamos perante mais um risco da actual modernidade reflexiva.
- Entre a perda de neutralidade[23] da Web e a emergência da ciberguerra
A Internet e a da World Wide Web estão hoje sujeitas a grandes incógnitas sobre a sua evolução futura. Continuarão a ser espaços de liberdade ligados globalmente como em grande parte têm sido? Serão definitivamente dominadas por interesses económicos e comerciais? Os Estados afirmarão um crescente controlo sobre a rede e a informação que nela circula? Assistiremos à afirmação de fronteiras no ciberespaço e à “territorialização” nacional do mesmo por razões políticas e de segurança? Estas incógnitas estão hoje bem exemplificadas na encruzilhada com que se confronta a World Wide Web, 20 anos depois da sua criação. Num artigo publicado na revista Wired com o título provocatório The Web Is Dead. Long Live the Internet (2010), Chris Anderson e Michael Wolff sustentam que o uso da World Wide Web já entrou numa fase de declínio. Para estes, o processo irá ainda acentuar-se mais nos próximos anos por um conjunto de razões tecnológicas e ligadas a interesses económicos e comerciais. Todavia, Anderson e Wolff não vêm esta tendência como problemática. Para estes, a Web não é o culminar da revolução digital, mas apenas uma fase datada e em vias de ser ultrapassada:
[..] You’ve spent the day on the Internet – but not on the Web. And you are not alone. This is not a trivial distinction. Over the past few years, one of the most important shifts in the digital world has been the move from the wide-open Web to semiclosed platforms that use the Internet for transport but not the browser for display. It’s driven primarily by the rise of the iPhone model of mobile computing, and it’s a world Google can’t crawl, one where HTML doesn’t rule. And it’s the world that consumers are increasingly choosing […] The fact that it’s easier for companies to make money on these platforms only cements the trend. Producers and consumers agree: The Web is not the culmination of the digital revolution.Ao que tudo indica como reacção ao artigo da Wired, o principal criador da Web, Tim Berners-Lee, num texto publicado na revista Scientific American, sob o título Long Live the Web: A Call for Continued Open Standards and Neutrality, critica duramente a tendência de fragmentação e de criação de plataformas semi-fechadas. Um alvo particular das suas críticas foram as redes sociais como o LinkedIn ou o Facebook, que representam “uma ameaça para a universalidade da rede”. Para Tim Berners-Lee está a surgir um crescente risco de se perder a liberdade na rede, que permitido aos utilizadores acederem ao websites que desejam. Alguns dos casos de maior sucesso dos últimos anos – como o já referido Facebook ou o iTunes da Apple –, ameaçam os próprios princípios fundadores da Web. Este argumenta que estratégias como a utilizada pela Apple com o iTunes, não só deixam a informação visível aos utilizadores restrita dentro do próprio site, como levam à formação de “ilhas fragmentadas” de informação. Desta forma, foram criadas barreiras à partilha de informação com o resto da Web pelo que a rede tende a “partir-se em pedaços” com prejuízo para o utilizador. Este deixa de beneficiar de um “espaço único e universal de informação”:
Several threats to the Web’s universality have arisen recently. Cable television companies that sell Internet connectivity are considering whether to limit their Internet users to downloading only the company’s mix of entertainment. Social-networking sites present a different kind of problem. Facebook, LinkedIn, Friendster and others typically provide value by capturing information as you enter it […] Each site is a silo, walled off from the others. Yes, your site’s pages are on the Web, but your data are not. You can access a Web page about a list of people you have created in one site, but you cannot send that list, or items from it, to another site. The isolation occurs because each piece of information does not have a URI [Universal Resource Identifier]. Connections among data exist only within a site. So the more you enter, the more you become locked in. Your social-networking site becomes a central platform – a closed silo of content, and one that does not give you full control over your information in it. The more this kind of architecture gains widespread use, the more the Web becomes fragmented, and the less we enjoy a single, universal information space.
Mas as ameaças que pairam sobre a universalidade e neutralidade da rede não se ficam por aqui. Outro alvo de críticas do fundador da Web são as empresas fornecedoras de acesso wireless à rede. Este denuncia a tendência discriminatória que se verifica em alguns fornecedores desse serviço, de baixar, deliberadamente, a velocidade de acesso a certos websites, em detrimento de outros (normalmente aqueles com os quais não foram feitos acordos….). Naturalmente que tudo isto acaba por prejudicar os utilizadores e por limitar a sua liberdade de navegação na rede. Atente-se neste excerto do referido artigo:
Net neutrality maintains that if I have paid for an Internet connection at a certain quality, say, 300 Mbps, and you have paid for that quality, then our communications should take place at that quality. Protecting this concept would prevent a big ISP from sending you video from a media company it may own at 300 Mbps but sending video from a competing media company at a slower rate. That amounts to commercial discrimination. Other complications could arise. What if your ISP made it easier for you to connect to a particular online shoe store and harder to reach others? That would be powerful control. What if the ISP made it difficult for you to go to Web sites about certain political parties, or religions, or sites about evolution?
A propósito desta última questão, a da liberdade e privacidade na rede, Tim Berners-Lee mostrou ainda uma outra preocupação. Segundo este, há uma tendência dos governos, a qual não se ocorre apenas nos Estado autoritários, de vigiar os hábitos dos seus cidadãos online. Tais mecanismos de controlo e vigilância dos Estados poderão ser considerado uma violação dos direitos inerentes ao ser humano na era sociedade em rede – daí este falar na necessidade premente de defesa dos novos “Direitos Humanos Electrónicos”.
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Será que Castells, o grande teorizador da primeira década da sociedade em rede, entreviu as ameaças que Berners-Lee aponta hoje ao futuro da Web? Note-se que Castells tocou de alguma maneira nestas questões, no contexto da sua visão mais geral sobre a atitude dos governos face à Internet, motivada, segundo este, por uma vontade de controlo da tecnologia e dos seus usos. Castells notava que, para os governos, o uso económico da Web a partir de meados dos anos 90 trouxera uma oportunidade de domínio inexistente nos primórdios da Internet. Esta oportunidade resultava não só do facto do timing psicológico para a intervenção governamental ser mas favorável, como do aparecimento de tecnologia adequada, inexistente nos primeiros tempos da rede. Coincidindo com a utilização comercial da rede, começaram a surgir também tecnologias de controlo e identificação (por exemplo, passwords, cookies, etc.), de vigilância (interceptação de mensagens), de alguma maneira apoiadas a nível governamental. Para Castells, ambos – ou seja, governos e empresas –, terão desde essa altura começado a torpedear o espaço de liberdade conferido pela rede, passando a vigiar, de alguma forma, o cidadão e/ou o trabalhador.
A perda de neutralidade e fragmentação da rede denunciadas fundador da Web estão sobretudo ligadas aos interesses económicos, mas também à atitude dos governos. Um caso situado num plano diferente e de consequências potencialmente bem mais complexas e destrutivas é o já referido risco de uma ciberguerra. Embora o aprofundamento desta questão ultrapasse o âmbito limitado deste artigo, impõem-se algumas considerações. Desde logo cabe assinalar que embora o termo “ciberguerra” só recentemente tenha sido objecto de um uso generalizado nos media, data dos primórdios da sociedade em rede. Surgiu originalmente 1993, nos meios militares e de segurança ligados à Rand Corporation, por John Arquilla e David Ronfeldt. Na altura, apesar do interesse suscitado, foi essencialmente visto como algo especulativo e futurista. Todavia, nos últimos anos, com a Internet e a Web a entrarem numa fase de maturidade, a percepção mudou, provavelmente, em grande parte, pelo facto dos conflitos da Estónia (2007) e da Geórgia (2008) com a Rússia terem tido um campo de batalha paralelo na rede. Mais recentemente, em finais de 2010, o caso do vírus Stuxnet que afectou o programa nuclear iraniano, deu ainda mais plausibilidade a um cenário real de ciberguerra. Entre os múltiplos livros e artigos recentemente produzidos sobre este assunto destaca-se o relatório elaborado para a OCDE[24] no âmbito do projecto “choques globais no futuro” intitulado Reduzindo o Risco Sistémico da Cibersegurança (2011). Os seus autores, Peter Sommer e Ian Brown, procuraram avaliar o risco no mundo actual e no devir que é descortinável. No âmbito do pensamento sobre segurança e estratégia[25], o termo ciberguerra designa frequente “uma guerra conduzida substancialmente no ciberespaço ou no domínio virtual” (idem, p. 13). Esta concepção tem normalmente subjacente a ideia de que “as ciberguerras tendem a ser muito similares às guerras convencionais” pelo que idênticas doutrinas de retaliação ou dissuasão poderão ser aplicadas. Em termos de legalidade internacional, Sommer e Brown sustentam que ciberguerra deverá se definida, tanto quanto possível, nos termos utilizados para uma guerra convencional ou “cinética”. Desde logo, será fundamental ter em conta as disposições actualmente contidas nos tratados internacionais[26]. Assim, para se decidir se um acto deve, ou não, ser qualificado como ciberguerra, deverá submeter-se ao teste de verificar se pode ser considerado “equivalente” a um ataque convencional no seu objectivo, intensidade e duração[27].
Para além das questões conceptuais é inquestionável que o assunto está a captar crescentemente a atenção dos meios militares e de segurança, das organizações internacionais, de think tanks e de académicos e outros interessados como as empresas de segurança informática. O caso mais recente desta tendência é o da NATO. Na Cimeira de Lisboa, ocorrida em finais de 2010, no novo documento estratégico da organização afirma-se que “os ciberataques estão a tornar-se cada vez mais frequentes, mais organizado e mais dispendiosos nos danos infligem às administrações governamentais, empresas, economias e, potencialmente também, às redes de transporte e abastecimento e outras infra-estruturas; estes podem chegar a um limite que ameaça a prosperidade nacional e a prosperidade, segurança e estabilidade euro-atlântica. Militares e serviços secretos estrangeiros, crime organizado, terrorismo e/ou grupos extremistas podem ser a fonte de tais ataques”[28]. Uma questão em aberto é a de saber se o grau de risco que os ciberataques ou uma ciberguerra colocam às sociedades ocidentais estão correctamente avaliados e dimensionados ou estarão a ser deliberadamente empolados por motivos políticos (governos) ou económicos (empresas). Uma retórica securitária associada a este risco permite aumentar a vigilância e o poder de controle sobre a rede pelos governos. Ao interesse político e de controlo dos governos pode-se juntar o das empresas no uso económico e comercial da rede, na venda de tecnologias e serviços de segurança e na criação de “ilhas fragmentadas” de informação. Uma coisa parece certa: os ideais tecno-libertários da Internet e Web estão a dar lugar a uma crescente preocupação (obsessão?) económico-securitária ligada à sociedade em rede.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
[1] A 6 de Agosto de 1991 Tim Berners-Lee tornou a sua invenção da World Wide Web acessível à comunidade dos utilizadores da Internet.
[2] Seguimos de perto a história da Internet elaborada pela Internet Society (2010), A Brief History of the Internet, http://www.isoc.org/internet/history/brief.shtml[4] O Whole Earth Catalog criado por Stewart Brand, foi um livro inovador para a época, sendo apresentado sob a forma de um compêndio multidisciplinar. Em 1971 foi galardoado com o National Book Award dos EUA.
[5] A ARPA(NET) foi criada em plena Guerra Fria, num contexto em que nos EUA se temia um eventual ataque nuclear soviético. Receava-se, entre outras consequências, que este pudesse levar à desarticulação da cadeia comando por ruptura das comunicações. No âmbito da Rand Corporation (um prestigiado think tank com sede na Califórnia e que usualmente colabora com o Pentágono), surgiu a ideia de construir um sistema de comunicações militar capaz de sobreviver a um ataque nuclear. Embora não fosse o objectivo original por detrás da ARPA(NET) – a principal precursora da actual Internet –, esta proposta da Rand Corporation terá, de alguma maneira, influenciado também a investigação que levou à criação dessa rede.
[6] A ARPA(NET) só foi declarada completamente operacional em 1975, sendo constituída por uma rede de linhas alugadas ligadas por nós especiais de comutação, chamados Internet Message Processor (IMP). A sua administração era efectuada pela Defense Information Systems Agency dos EUA.
[7] Uma curiosidade que mostra como era incipiente a tecnologia (e nos dá uma ideia dos enormes avanços entretanto ocorridos), é que texto original enviado era “login” mas o computador que recebeu a mensagem parou de funcionar na letra “o”….
[8] Transmission Control Protocol/ Internet Protocol
[9] A ARPA(NET) foi formalmente extinta em 1990.
[10] O backbone (espinha dorsal) designa um esquema de ligações centrais de um sistema mais amplo e de elevado desempenho.
[11] Ainda no decurso dos anos 80, o Departamento de Defesa dos EUA tinha decidido comercializar a tecnologia Internet, financiando a inclusão do TCP/IP nos protocolos dos computadores fabricados por empresas norte-americanas. Desta forma, no início da década de 90 a maior parte dos computadores nos EUA estavam já em condições de poder funcionar em rede.
[12] A World Wide Web (ou só Web) assenta na utilização de hiperligações para navegar entre documentos (chamados “páginas Web”) com recurso a um software o browser (navegador). Assim, uma página na Web é basicamente um ficheiro de texto escrito em linguagem HTML. Permite descrever a formatação do documento e incluir elementos gráficos ou ligações para outros documentos. Outra componente fundamental é protocolo HTTP que permite vincular documentos alojados por computadores distantes (chamados servidores Web). Os documentos são assim localizados por um endereço único, o URL, permitindo localizar um recurso em qualquer servidor da rede Internet.
[13] Ver Tim Berners-Lee (1990), World Wide Web: Proposal for a HyperText Project, http://www.w3.org/Proposal.html
[14] Ver, entre outros, a Free Software Foundation, http://www.fsf.org/ e a Open Source Initiative, http://www.opensource.org/
[15] A este propósito, Robert Hassan (2008, p. 23), afirma que, lato sensu, que a sociedade da informação (conceito mais ou menos próximo de sociedade em rede de Manuel Castells) é sucessora da sociedade industrial. A informação que “circula sob a forma de ideias, conceitos e inovação” nos assuntos mais diversos – e é “replicada como bits e bytes digitais através da computorização –, estará a substituir o trabalho e a lógica relativamente estática da fábrica e maquinaria, como força organizadora central da sociedade”. Assim, “a moderna sociedade industrial com uma dinâmica relativamente ordenada e organizada” teria dado lugar a uma “sociedade da informação pós-moderna, onde a desorganização e a fragmentação serão as suas características salientes”.
[16] O termo hacker tem, pelo menos, dois significados diferentes: i) o do especialista, quase visionário, com grandes conhecimentos em computadores, tecnologia digital e/ou programação. Neste sentido, o uso do termo hacker – que é o efectuado por Manuel Castells quando se refere à “cultura hacker” –, tem conotações positivas e predominou nos primeiros tempos da revolução electrónica e informática até aos anos 80. Mas há um outro sentido, que é o uso mais corrente actual, e que adquiriu uma conotação bastante negativa: ii) o de alguém mais ou menos dotado para a informática que usa o seu conhecimento especializado em computadores, programação e/ou tecnologia digital para acções abusivas e/ou ilegais de acesso a outros computadores e redes, bem como para praticar actos maliciosos que podem produzir danos de maior ou menor dimensão.
[17] Por definição será o trabalho à distancia realizado fora do espaço físico da empresa ou organização à qual o trabalhador está ligado. O uso das redes, a videoconferência, a utilização partilhada de documentos em tempo real, ou a redistribuição de chamadas telefónicas, são alguns dos exemplos mais óbvios de teletrabalho propiciados pela revolução informática e digital em curso.
[18] Cfr. http://www.internetworldstats.com/stats.htm (acedido em 18/07/2011).
[19] Cfr. [19] Cfr. http://www.internetworldstats.com/stats.htm (acedido em 18/07/2011).
[20] Cfr. US Census Bureau, http://www.census.gov/main/www/popclock.html (acedido em 18/07/2011).
[21] Dados das diferentes edições da Wikipédia nas diversas línguas referentes a 8 de Fevereiro de 2010, http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikip%C3%A9dia_em_outras_l%C3%ADnguas
[22] Coincidindo o timing da publicação com o desastre nuclear de Chernobyl na Ucrânia (na altura integrada na ex-União Soviética), o que, provavelmente, contribui para a sua rápida popularidade.
[23] A neutralidade da rede, ou neutralidade da Internet, significa que, por princípio, todas as informações que circulam na rede devem ser tratadas da mesma forma, sem interferências ou discriminações dos fornecedores de acesso à Internet. Situações típicas de falta de neutralidade ocorrem quando, por razões comerciais, o acesso é deliberadamente limitado ou eliminado por bloqueio (restricção do acesso a determinados serviços ou sites) ou pelo estrangulamento (retardamento de certos tipos de tráfego afectando a velocidade e qualidade do acesso) favorecendo determinados sites em relação a outros. Note-se que estamos a exceptuar desta questão os bloqueios ou restrições de acesso que resultam do cumprimento da legislação criminal pelos fornecedores de acesso à Internet (por exemplo, por crimes de pirataria, pornografia infantil, etc.)
[24] Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico.
[25] Um definição na perspectiva de segurança e estratégia de ciberguerra é dada pelo Institute for Advanced Study of Information Warfare dos EUA. Este instituto define-a como “o uso ofensivo e defensiva da informação e dos sistemas de informação para negar, explorar, corromper, ou destruir a informação de um adversário, processos baseados na informação, sistemas de informação e redes baseadas em computadores, enquanto se protegem as próprias. Tais acções são projectadas para atingir vantagens sobre adversários militares.” (citado em Michael Sinks, 2008, p. 5) .
[26] Nomeadamente as convenções de Haia de 1899 e 1907, a Carta das Nações Unidas de 1945, a Convenção das Nações Unidas de 1948 sobre o Genocídio e a Convenção das Nações Unidas de 1980 sobre Armas Convencionais Excessivamente Lesivas (ou cujos efeitos são indiscriminados) – ou seja, o normativo que integra o Direito dos Conflitos Armados/Direito Internacional Humanitário.
[27] Para Sommer e Brown há ainda “uma distinção a fazer entre actos que procuram atingir alvos militares e actos destinados a alvos civis”. Estes fazem notar que a “Carta das Nações Unidas requer uma justificação para a adopção de contra-medidas por aqueles que afirmam ter sido atacados. No essencial, a vítima deve ser capaz de produzir provas fidedignas sobre quem a atacou (algo nem sempre fácil no cibermundo) e sobre os efeitos dos ataques (idem, p. 13).
[28] Cfr. Strategic Concept For the Defence and Security of The Members of the North Atlantic Treaty Organisation (Adopted by Heads of State and Government in Lisbon, 2010), http//www.nato.int
© José Pedro Teixeira Fernandes, “Da Utopia da Sociedade em Rede à Realidade da Sociedade de Risco” artigo originalmente publicado na Análise Social, vol XLVIII (2º), nº 207 (2013): 260-286.