A geopolítica está de regresso. […] o projecto para a paz perpétua de Immanuel Kant continua a ser um ideal longínquo.
A geopolítica está de regresso. Uma sucessão de acontecimentos internacionais despertou os europeus para a turbulência que o mundo atravessa, bem visível na sua periferia Sul e Leste. A guerra na Síria, a anexação da Crimeia pela Rússia e a guerra no Leste da Ucrânia, a imparável vaga de refugiados e migrantes que rumam à Europa rica, os atentados terroristas de grande dimensão na França e na Bélgica, um golpe de estado falhado na Turquia. A geopolítica europeia está indissociavelmente ligada ao Sul do Mediterrâneo e ao Médio Oriente, predominantemente islâmicos, em explosão demográfica e convulsão política permanente. Estas são áreas tão próximas geograficamente como distantes culturalmente, ou, pelo menos, com especificidades muito relevantes. Mais: entre as duas margens do Mediterrâneo decorre uma competição, de resultado incerto, pelos valores mais profundos que devem reger a vida humana, social e política
Por razões próprias da nossa identidade, temos uma certa dificuldade em compreender a complexidade do mundo. Enquanto europeus e ocidentais, estamos imbuídos de uma visão secular, mas esse é, paradoxalmente, um obstáculo à compreensão daquilo que nos rodeia, onde o religioso é determinante. Por outro lado, a experiência histórico-política portuguesa é um caso atípico. No mundo, são raros os Estados-nação amadurecidos ao longo de vários séculos, com estabilidade populacional e das fronteiras. Não é essa a realidade da maior parte da Europa, menos ainda a do resto do mundo. Frequentemente, a população de um Estado não é uma nação. Frequentemente, as fronteiras políticas não têm nada de consistente, mas bastante de arbitrário. Frequentemente, muitos Estados podem ser qualificados, com maior ou menor rigor, como Estados-falhados. A própria União Europeia — um espaço de prosperidade, paz e estabilidade —, enfrenta fracturas e crises que poucos pensariam ser possíveis há uma década.
Este livro resulta fundamentalmente de artigos publicados no jornal Público nos últimos anos, a grande maioria destes no Público online, outros também na edição em papel. Procurei, deliberadamente, manter os textos próximos da versão original. Reflectem temas deste período temporalmente próximo, que, no essencial, mantêm plena actualidade. Apenas foram efectuadas pontuais alterações, na maioria dos casos por razões de harmonização do texto e das notas, noutros casos para evitar fastidiosas repetições de conteúdos. Os textos são predominantemente analíticos. Abordam temáticas que vão desde a crise financeira e económica internacional e da Zona Euro, até ao referendo britânico para saída da União Europeia, passando pelo conflito entre a Ucrânia e a Rússia, a crise dos refugiados e migrantes e o seu impacto na União Europeia. Fora da Europa, os múltiplos e intrincados conflitos do Médio Oriente que começam na Turquia e passam pela Síria, Iraque, Líbia e Iémen, entre outros, são também objecto de uma abordagem geopolítica. A isto acresce o Islamismo-jihadista de grupos que banalizam a violência e o terror, como a Al-Qaeda e o Daesh (Estado Islâmico). Todos estes acontecimentos mostram como o projecto para a paz perpétua de Immanuel Kant, do século XVIII, continua a ser um ideal longínquo. […]
© José Pedro Teixeira Fernandes, excerto da Introdução do Livro “O Regresso da Geopolítica: Europa, Médio Oriente e Islão” (Almedina, 2017)
© Imagem: capa do Livro de José Pedro Teixeira Fernandes, “O Regresso da Geopolítica: Europa, Médio Oriente e Islão” (Almedina, 2017)