A Europa está em guerra?

Hark! Hark! The Dogs do Bark!

A Grécia tornou-se o “alter ego” dos europeus. Nela se projectam virtudes e defeitos, nalguns casos reais, noutros casos imaginários, frequentemente exagerados. Tomou o lugar de outros conflitos que movem paixões e nos quais ocorrem similares processos de transferência […]

 

1. Ultimato, humilhação, armistício, reparações de guerra, dissuasão do fraco ao forte, Diktat, Tratado de Versalhes, etc., são alguns dos adjectivos e comparações históricas mais utilizados na actual crise da Grécia. Nem sobre um caso real de guerra, como o que tem decorrido no Leste da Ucrânia, se utilizou tanta linguagem militar e analogias históricas com guerras do passado. Se nos tentarmos imaginar na posição de alguém completamente desconhecedor da realidade europeia de Junho / Julho de 2015 – e a procurar inteirar-se do assunto pelos media –, provavelmente ficaria com a sensação de que a Europa estava em guerra. Nada de invulgar na história europeia até ao final da II Guerra Mundial. Vejam-se algum títulos das últimas semana que sugerem essa imagem mental: “Atenas já está a arder?” (Vítor Malheiros in PÚBLICO 22/06/2015); “O Regresso de Versalhes” (Manuel Carvalho in PÚBLICO, 28/06/2015); “Atenas delenda est” (Ricardo Costa in Expresso, 13/07/2015); “Retaliação maciça” (Viriato Soromenho Marques in Diário de Notícias, 14/07/2015). A título exemplificativo, vale a pena olhar um pouco melhor para dois casos. Um primeiro é o do já referido artigo de Viriato Soromenho Marques, onde este escreveu o seguinte: “Na Cimeira do Euro, realizada no domingo, a Alemanha apresentou […] a sua doutrina: ‘retaliação maciça‘. Schäuble foi buscá-la aos manuais estratégicos norte-americanos dos anos 1950, numa altura em que Washington dispunha de clara supremacia atómica sobre a URSS. Qualquer ataque contra os EUA seria respondido com todo o potencial disponível, esmagando o adversário. O ‘acordo‘ da madrugada de ontem consagra a ‘vingança‘ germânica contra o ‘ataque‘ do referendo.” Um segundo caso, é o do comentário e análise feita por José Pacheco Pereira sobre o mesmo assunto (Quadratura do Círculo, SIC Notícias, 16/07/2015). Na sua óptica – julgo estar a reproduzir correctamente o que este pretendeu transmitir –, o que o Eurogrupo fez com a Grécia foi uma deliberada reversão do programa do Syriza, ponto por ponto. Esta seria comparável ao que os nazis fizeram no armistício de 22/06/1940, para se vingaram da França na II Guerra Mundial. Humilhando-a, foram buscar ao museu, a Paris, a carruagem de comboio onde tinha sido assinado o armistício de 11/11/1918. Este marcou o fim da I Guerra Mundial e a derrota germânica. A Alemanha nazi efectuou no mesmo local – em Compiègne, na floresta da Picardia –, uma réplica com a coreografia invertida.

2. A comparação de acontecimentos deve ter por base a escolha de situações históricas adequadas, nomeadamente por ocorrerem em similar contexto da vida humana. Existindo características comuns às situações comparadas, será então apropriado projectar uma faceta do passado na nova situação. É frequente a comparação de acontecimentos históricos do passado com situações do presente, procurando beneficiar desses ensinamentos. O objectivo é também dar sentido a um acontecimento novo. Fundamental é que exista uma intrínseca semelhança entre ambos, para se aceitar uma determinada conclusão, ou, pelo menos, uma certa interpretação dos factos. Frequentemente as comparações são usadas com a finalidade de despertar na mente do receptor imagens fortes e sugestivas. Nestes casos, estamos perante um uso retórico mais próximo da metáfora, não existindo uma genuína analogia das situações. Isso ocorre, por exemplo, quando usamos expressões como combate à pobreza, ou guerra à exclusão social. Mas não é esse o contexto aqui em análise. A utilização da linguagem bélica e o recurso a episódios de guerra para explicar a situação presente da Grécia e Zona Euro, levanta, por isso, questões sérias e profundas. É clarificador o seu uso e o recurso a exemplos de conflitos político-militares do passado, para explicar a actual crise? Mas não tem esta, no seu cerne, um problema de dívida pública? Para além da erudição histórica mostrada por quem recorre a essas técnicas argumentativas, são adequadas as analogias que citámos anteriormente? Os paralelismos com episódios de conflito e guerra da conturbada história europeia ajudam a perceber a questão? Ou será que o seu uso, se torna, ele próprio, parte do problema que pretende analisar, alimentando a engrenagem do conflito? E se a explicação é retórica e de recurso a figuras de estilo, não será uma forma de argumentação dispensável num debate sereno e esclarecedor? Importa notar: a escolha das palavras não é inócua. (Logos, em grego, significa quer palavra, quer razão.) Permite representar bem a realidade, mas permite também manipulá-la. Permite criar uma consciência para agir, mas permite também bloquear a acção humana. Tínhamos já o léxico anestesiante da tecnocracia europeia, com o intuito de despolitizar e esconder o carácter conflitual da realidade. Agora temos também um léxico bem mais excitante, como antídoto. Joga com as emoções da linguagem bélica fazendo comparações históricas, pertinentes ou arbitrárias, com o passado guerreiro e trágico da Europa.

3. A Grécia tornou-se o “alter ego” dos europeus. Nela se projectam virtudes e defeitos, nalguns casos reais, noutros casos imaginários, frequentemente exagerados. Tomou o lugar de outros conflitos que movem paixões e nos quais ocorrem similares processos de transferência – o caso clássico é o conflito israelo-árabe, onde David desafia Golias, mas quem é um e outro varia com o observador. Frequentemente, as análises e comentários dizem mais sobre a visão do mundo de quem os emite do que explicam os conflitos em si mesmos. Consciente ou inconscientemente, omitem as suas causas complexas e as motivações não invulgarmente contraditórias dos intervenientes. Assim, para uns, a Grécia é a plenitude das virtudes: democracia / resistência à tecnocracia / alternativa ao capitalismo global / patriotismo / orgulho nacional; para outros é uma mera súmula de defeitos: populismo / corrupção / clientelismo / laxismo orçamental / viver à custa dos outros. Nesta construção mental binária, a Alemanha ocupa o lugar de uma Némesis da mitologia clássica, a deusa poderosa e vingativa que exige retaliação; ou então surge como uma espécie de Afrodite protectora da “beleza” e equilíbrio da Zona Euro e das suas regras actuais. Esta construção mental binária prolonga-se no “Grexit” / “Germanexit”. Este último emerge como a resposta simétrica dos críticos da Alemanha aos que pretendem ver a Grécia fora da Zona Euro. Ou seja, é a mesma imagem, mas agora invertida no espelho. Ironicamente, faz lembrar a atitude mental do eurocentrismo herdada do século XIX – a visão de mundo colocava Europa como protagonista único da história. Em seu lugar, surgiu um novo enviesamento da realidade: o germanocentrismo. Na União Europeia, tudo parece gravitar à volta da Alemanha, para o bem ou para o mal. Os restantes Estados-membros são entes amorfos. Os epítetos variam conforme a perspectiva adoptada. Virtuosos, responsáveis e cumpridores, ou moralmente indignos, colaboracionistas e vassalos. Não se deixar arrastar para este terreno envenenado é optar por uma hipócrita atitude salomónica? Pode ser mero bom senso. Ambas as partes pretendem recrutar partidários e soldados num combate configurado como uma luta entre o bem e o mal absolutos. Em comum, o mesmo objectivo: sob a cortina de fumo das palavras desadequadas à realidade, impedir o pensamento crítico equilibrado. Não, não é da Grécia que estamos fartos, mas deste debate redutor e maniqueísta e da sua linguagem excessiva que está a criar feridas profundas entre os europeus.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes, artigo originalmente publicado no Público, 21/07/2015

domínio público Imagem: mapa satírico britânico da Europa em 1914 (Guardian / domínio público)

A Turquia entre a Europa e o Islão

Cartoon Cristina Sampaio (As duas faces da Turquia)

Os europeus parece não terem visto, ou não quererem ver, mas a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan tem mostrado onde estão as suas principais afinidades culturais-religiosas e as suas prioridades políticas. Talvez seja altura de nos começarmos a habituar à sua forma de estar na Europa.

1. Não é novidade para ninguém que as relações entre a Europa e Islão não estão na sua melhor fase, atravessando até um período difícil e bastante conturbado politicamente. Se alguns focos de conflito são relativamente antigos, como, por exemplo, a guerra do Kuwait (1991), as guerras da Jugoslávia (1991-1999), outros são mais recentes, como os atentados de 11 de Setembro nos EUA, com as subsequentes intervenções militares no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), lideradas pelos norte-americanos. Ainda mais recentemente, no último ano ou ano e meio, surgiram novos pontos de atrito desencadeados pelas ambições nucleares do Irão e pelas sucessivas declarações políticas efectuadas pelo seu actual Presidente, Mahmoud Ahmadinejad, entre as quais uma alegada intenção de «riscar Israel do mapa» (e de «deslocar» a sua população para a Europa ou para o Canadá) e a sustentação da tese «revisionista» sobre a «inexistência do genocídio da população judaica». Já no ano de 2006, a vitória do movimento islamista Hamas nas eleições da Palestina e a onda de protestos e de violência desencadeada um pouco por todo o mundo muçulmano, na sequência da publicação das doze caricaturas do Profeta Maomé, originalmente efectuada pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten, a 30 de Setembro de 2005 —, e que, ao longo do ultimo mês, foram sucessivamente publicadas em quase todos os países europeus/ocidentais —, adensaram a situação de crise. É também um facto politico conhecido que a «guerra das caricaturas» apenas adquiriu as actuais proporções em inícios de 2006, quando já tinham passado vários meses sobre a sua publicação, e, ao que tudo indica, na sequência de actuações políticas concertadas, combinadas pelo mundo árabe-islâmico, nas suas principais organizações: a Liga Árabe e a Organização da Conferência Islâmica (OCI), em particular nesta última.

2. Com os seus actuais 57 membros, a OCI é a organização mais importante do mundo islâmico (a Liga Árabe, actualmente com 22 membros, restringe-se aos países árabes que são minoritários no contexto do Islão). Vale a pena determo-nos um pouco a ver quais são as suas origens e objectivos. A OCI foi estabelecida em 1969, tendo, de acordo com os seus próprios textos oficiais, como evento fundador e primeira razão de ser, «o incêndio criminal» perpetrado nesse ano «por elementos sionistas na mesquita de Al-Aqsa, na Jerusalém ocupada». Sendo este o impulso fundador, foi instituída com uma «absoluta prioridade na libertação de Jerusalém e da Al-Aqsa, da ocupação sionista». Para além disso, nos seus objectivos, propõe-se também aumentar «a solidariedade islâmica entre os seus membros», reforçar a «luta de todos os povos muçulmanos para a salvaguarda da sua identidade» e desenvolver acções coordenadas para «salvaguardar os Lugares Santos» do Islão. Actualmente a OCI tem como Secretário-Geral o professor de História e Cultura Islâmica da Turquia, Ekmeleddin İhsanoğlu, indigitado pelo governo islamista-conservador do Adalet ve Kalkinma Partisi / Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Recep Tayyip Erdoğan. Para além da Turquia, que é membro fundador, há ainda a assinalar a presença na OCI de outros Estados e territórios que fizeram parte do antigo Império Otomano no Sudeste europeu, como a Albânia (1992). Com o apoio da Turquia entraram ainda, com o estatuto de observadores, a Comunidade Turco Muçulmana de Chipre (1979) — que só a Turquia reconhece como «Estado soberano», com a designação de República Turca do Norte de Chipre — e a Bósnia-Herzegovina (1994), cuja comunidade étnico-religiosa mais numerosa é a dos bósnios-muçulmanos. Como actuou esta importante organização do mundo muçulmano, liderada por uma personalidade turca, na questão das caricaturas do Profeta Maomé? Que posições político-diplomáticas tem adoptado a Turquia nestas questões sensíveis de relacionamento entre a Europa e o Islão, um país que está em negociações de adesão à UE e que promete ser uma «ponte entre o Oriente e o Ocidente»?

3. Até agora, em todas resoluções e acções políticas discutidas no âmbito da OCI sobre questão das caricaturas do profeta Maomé, a Turquia, apesar do seu tom mais suave, não mostrou propriamente discordância, nem um discurso diplomático substancialmente diferente da generalidade do mundo muçulmano. Entre a solidariedade, ou, pelo menos, alguma compreensão para com o governo da Dinamarca — um antigo parceiro da NATO e um (eventual) futuro parceiro da UE, que, ironicamente, é dos países do mundo que mais gasta na ajuda ao desenvolvimento e da qual os países mais pobres da OCI são também beneficiários — e as exigências de pedidos oficiais de desculpas e as ameaças de boicotes comerciais e diplomáticos, feitas por muitos países da OCI, para que lado pendeu a Turquia? Para o lado da Dinamarca e da UE, onde afirma querer integrar-se em pé de igualdade com os outros Estados europeus? Mas esteve a Turquia de facto mais perto das declarações políticas do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia que, embora reconhecendo a necessidade de respeito pelos símbolos e convicções religiosas, insistiram na liberdade de imprensa e condenaram as reacções violentas? Ou, pelo contrário, esteve a Turquia mais próxima das reacções político- diplomáticas de países como o Irão (actualmente empenhado na negação do genocídio da população judaica e em tornar-se na potência nuclear do Islão xiita); da Arábia Saudita (onde não há uma constituição, é vedada a entrada e permanência a «infiéis» nos lugares santos do Islão e banido o uso de quaisquer sinais religiosos não muçulmanos por mais discretos que sejam); do Sudão (bem conhecido pelo desrespeito das minorias, africana-animista e africana- cristã no Sul do país e na região do Darfur, pela maioria árabe-islâmica do Norte), e do Paquistão (simbolicamente o «país dos puros», criado em 1947, por recusa de convivência com a Índia de Gandhi, maioritariamente hindu e que, apesar de ser um dos Estados mais pobres do mundo, gasta os seus escassos recursos na «bomba nuclear muçulmana»)? Naturalmente que a posição diplomática da Turquia não era propriamente fácil nesta situação, mas a interrogação faz sentido, não só porque esta se propõe ser uma «ponte entre o Oriente e o Ocidente», como por que detém o cargo de Secretário-Geral da OCI, o que lhe permite, ou deveria permitir, exercer alguma influência acrescida sobre os seus membros, no sentido da moderação de posições e da desdramatização da situação. Todavia, se repararmos no teor da recente conversa entre Javier Solana, o Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), e Ekmleddin İhsanoğlu, não ficamos muito com essa impressão. Segundo refere o jornal turco Zaman (edição on-line de 14/02/2006), o Secretário-Geral da OCI disse a Javier Solana que, no mundo muçulmano, «a publicação das caricaturas ridicularizando o Profeta Maomé tinha tido o mesmo efeito dos ataques do 11 de Setembro». Aparentemente, o que também não deixa de mostrar a fragilidade política da Europa, Javier Solana não fez nenhuma objecção ao facto de que, por muito ofensivas que tais imagens possam ser para as convicções religiosas muçulmanas, a sua publicação não está no mesmo plano de gravidade, moral, jurídica e política, que um acto premeditado de assassínio de mais de três mil pessoas, como foi o 11 Setembro de 2001. Ainda a propósito de ofensas a «símbolos sagrados», agora não de cariz religioso mas de cariz nacional, como é o caso da bandeira de um país, vale a pena ver a maneira como na Turquia se olha para o acto de queimar uma bandeira nacional. A 21 de Março de 2005, quando os curdos, um povo de origem étnica iraniana, comemoravam pela primeira vez livremente o Nevroz (o ano novo pré-islâmico dos povos iranianos), um jovem curdo mais exaltado queimou, ou melhor, «dessacralizou», na linguagem da imprensa turca, a bandeira da Turquia. Nos dias seguintes, as reacções generalizadas a esse acto foram de dura condenação verbal e de exaltadas manifestações de rua, onde se uniram os partidos de esquerda e da direita. Num país onde há tal sensibilidade aos (seus próprios) símbolos nacionais, seria de esperar que houvesse também uma reacção firme de condenação dos actos de pisar e queimar bandeiras da Dinamarca e de outros países da UE e/ou aliados da NATO, que se generalizaram nas manifestações do mundo muçulmano. A realidade é que houve apenas uma censura geral bastante benevolente, face à raiva exteriorizada pelos manifestantes.

4. Vamos agora à questão palestiniana e à recente vitória do movimento Hamas, que prevê, no seu programa politico, a nível interno, a instauração da Xária, a lei islâmica, e a nível externo a erradicação do Estado de Israel, cuja existência até agora se tem recusado a reconhecer. Como é que tem actuado diplomaticamente a Turquia? Em sintonia com a UE, que procura pressionar política e financeiramente o Hamas a abandonar as armas e a transformar-se em num normal partido político, que aceita as regras do jogo democrático? Ou com a sua própria diplomacia de relacionamento com o mundo islâmico em geral, e com os antigos territórios do Império Otomano em particular, onde a UE parece ser apenas relevante à medida dos seus interesses na região? De acordo com o jornal Turkish Daily News (edição on-line de 19/02/2006), parece ser esta segunda linha que está a prevalecer, pois, como este referia, «a Turquia espantou o seu público, Israel e os aliados ocidentais ao ser o primeiro país não-árabe a receber uma delegação de alto nível do grupo radical palestiniano», o Hamas, que recentemente ganhou as eleições na Palestina, para conversações diplomáticas. Surpresa? Talvez nem tanto se olharmos para as ambições do governo do AKP da Turquia, à luz da sua ideologia islamista e do passado histórico do país. Ao contrário da Europa, onde a memória histórica da questão palestiniana não costuma ir mais além do que a I Guerra Mundial  — acordo Sykes-Picot (1916) feito entre britânicos e franceses, para a repartição do Império Otomano no Médio Oriente e declaração do Foreign Office britânico, «declaração Balfour» (1917), prometendo um território aos judeus na Palestina —, na Turquia a memória histórica é outra e sobretudo bem mais longa. Basta lembrar que os trinta anos de protectorado colonial britânico, nos actuais territórios de Israel/Palestina (1918-1948), foram antecedidos de uma presença imperial / «colonial» otomana de «apenas» quatro séculos (mais concretamente, desde 1516, após a conquista feita por Selim I da Síria e do Egipto, sendo o primeiro sultão otomano a assumir o título de califa, o chefe religioso e político dos crentes da umma muçulmana). Quanto às similitudes ideológicas entre o Hamas e o AKP de Recep Tayyip Erdogan, basta pensarmos que este último partido é herdeiro dum conjunto heterogéneo de influências da direita conservadora e islamista da Turquia, numa linha próxima dos sucessivos partidos islamistas formados pelo professor de Engenharia da Universidade de Istambul — Necmittin Erbakan — o último dos quais, o Refah Partisi / Partido do Bem-Estar, foi dissolvido em 1998. Neste contexto, a abertura aos «irmãos muçulmanos» do Hamas surge com uma certa naturalidade e na lógica das raízes ideológicas e das simpatias do eleitorado do AKP.

5.  A propósito das declarações «revisionistas» do Presidente iraniano, afirmando que «genocídio da população judaica não existiu», vale a pena passar também um olhar comparativo sobre a maneira como na Turquia se tende a ver alguns acontecimentos dramáticos do século XX que afectaram os ahl al-kitab ou «Povos do Livro» (cristãos, judeus e muçulmanos), para utilizarmos uma expressão emprestada pela teologia muçulmana. Essa análise comparativa refere-se a dois acontecimentos trágicos, um ocorrido no início, o outro no fechar do século XX: o caso dos arménios (cristãos) durante o Império Otomano (1915- 1917) e a I Guerra Mundial; e o caso dos bósnios (muçulmanos) e dos kosovares (muçulmanos) durante as guerras de secessão da Jugoslávia (1991-1999). Comecemos pelos acontecimentos mais recentes. Na imprensa e em todos os sectores opinião pública da Turquia, os sofrimentos dos antigos muçulmanos-otomanos dos Balcãs (bósnios, albaneses, kosovares e macedónios) tiveram um grande eco, reabrindo mesmo feridas do passado. Em 1992-1993, a imprensa nacionalista evocava uma imagem histórica que se tornou um slogan dos meios religiosos e islamistas: «a Bósnia não será uma nova Andaluzia». Esta comparação, que aos olhos europeus/ocidentais, não deixa de ser surpreendente (o último território do Al- Andalus da Península Ibérica foi «perdido» pelos árabes-berberes no longínquo ano de 1492), mostra, de alguma maneira, as imagens mentais da memória muçulmana-turca. Por sua vez, a 11 de Julho 1995, o massacre pelas tropas e milícias sérvias (cristão ortodoxos) de cerca de oito milhares de bósnios-muçulmanos, ocorrido na localidade de Srebrenica — um enclave muçulmano-bósnio na maioritariamente sérvia-bósnia República Srpska (mais de 88% da população), uma das duas entidades autónomas constitutivas da Federação da Bósnia e Herzegovina —, foi motivo de grande consternação e de uma onda de solidariedade com as vítimas, em toda a Turquia. Na óptica dos media e da opinião pública turca, sobretudo dos mais nacionalistas e religiosos, este acontecimento converteu-se até no arquétipo dos sofrimentos dos muçulmanos turcófonos, às mãos da Europa/Ocidente. Importa notar que esta percepção resulta do facto de, para a generalidade da opinião pública muçulmana, Turquia incluída, qualquer povo que possa ser qualificado religiosa ou sociologicamente como «cristão» (é o caso dos sérvios, que professam o cristianismo ortodoxo), é no imaginário muçulmano associado a europeu/ocidental. Vejamos agora o outro acontecimento do início do século XX: o massacre de cerca de 800 mil a 1 milhão de arménios, em 1915-1917 que envolveu, directa ou indirectamente, os líderes do CUP, o partido dos «jovens turcos», liderado por Enver Paxá. Os acontecimentos ocorreram após a declaração de guerra do Império Otomano à Entente franco-britânico-russa, em finais de 1914, feita na linguagem político-diplomática da Europa/Ocidente, sendo, paralelamente, proclamada também uma jihad na linguagem político-religiosa do Islão. Os factos históricos sugerem que um círculo restrito dentro do Comité para a União e o Progresso (CUP) — o partido dos «jovens turcos» liderado por Enver, que governava o Império Otomano/Turquia —, sob a direcção de Talât, o Ministro do Interior, pretendeu «livrar-se» dos arménios, usando a «deportação como capa para essa política» (o argumento oficial, provavelmente com fundamento histórico mas exagerado na sua dimensão, foi o de que os arménios estavam a desertar para as fileiras do exército russo). Como refere o historiador Erik Zürcher, na sua execução no terreno «um determinado número de chefes provinciais do partido deu assistência a este extermínio, o qual foi organizado através da Teskilât-i Mahsusa (literalmente Organização Especial), sob a direcção de Bahaeddin Sakir, director político do CUP. Qual é a atitude da Turquia face a este acontecimento trágico do seu passado? Similar à sua consternação face aos massacres dos muçulmanos dos Balcãs nas guerras da Jugoslávia e apoio às suas vítimas? Idêntica ao acto de mea culpa da Alemanha face ao trágico genocídio da população judaica? Na realidade não é nenhuma destas duas. Nesta matéria, a diferença entre a Turquia e a Alemanha é tão pequena, ou tão grande, quanto isto: na Alemanha a negação do genocídio da população judaica durante a II Guerra Mundial é considerado crime, sendo os seus autores passíveis de sanções penais; ao contrário, na Turquia, a afirmação do genocídio da população arménia durante a I Guerra Mundial é considerado traição e crime susceptível de condenação penal. Repare-se no caso de Orhan Pamuk, provavelmente o mais importante escritor turco da actualidade, que foi objecto de acusação criminal por ter «denegrido publicamente a identidade turca». Recordemos os factos. Na entrevista dada ao jornal Tagesanzeiger, de Zurique, na Suíça, publicada a 6 de Fevereiro de 2005, este foi questionado sobre a «cortina de silêncio» que paira na Turquia (a expressão é de Halil Berktay, um dos raríssimos académicos turcos que assumiu publicamente o genocídio dos arménios), tendo dito que «30 mil curdos e 1 milhão de arménios foram mortos na Turquia. Quase ninguém ousa falar desse assunto e os nacionalistas odeiam-me por causa disso». Nos meses seguintes, quando os ecos desta entrevista começaram a chegar à Turquia, levantaram-se ondas de indignação e de fervor nacionalista. O jornal Hürriyet qualificou o escritor como «uma criatura abjecta». Outro jornal, o Vatan, questionou se «a liberdade de expressão é também uma liberdade de traição». Em termos de autoridades públicas, Mustafa Altinpinar, o governador do distrito de Sütçüler, na província de Isparta, chegou a enviar uma directiva às bibliotecas sob a sua jurisdição, ordenando que fossem apreendidos e destruídos todos os livros do escritor Orhan Pamuk, pelas suas afirmações sobre o «alegado genocídio arménio».

6. À luz destes acontecimentos, as recentes reacções de fúria às caricaturas do Profeta Maomé, ocorridas também na Turquia, deixam uma certa sensação de previsibilidade. Mas uma reflexão sobre tudo isto talvez nos possa ajudar a compreender porque vemos o actual governo conservador-islamista turco alinhado com o resto do Islão, e desalinhado com a Europa / Ocidente, na subscrição duma petição depositada nas Nações Unidas com um projecto de resolução que prevê, entre outras coisas, a proibição da «difamação das religiões ou dos profetas». Em face do que foi exposto coloca-se, ainda, uma última e importante questão, que é a de saber para que lado penderá a Turquia se ficar na difícil situação de um conflito de interesses entre a Europa e o Islão: para o lado da Europa, à qual sustenta pertencer, invocando a herança da Antiguidade Clássica existente no seu território (a antiga Ásia Menor, onde está Tróia, Éfeso, etc.), os lugares simbólicos dos primeiros tempos do Cristianismo (Constantinopla, Niceia, Antioquia, etc.) que aí se situam, a república secularista fundada por Mustafa Kemal (Atatürk) sob o modelo do Estado-Nação europeu/ocidental e a pertença à NATO e de antigo aliado do Ocidente na Guerra-Fria? Ou para o lado do Islão e dos «países irmãos» da OCI, onde se afirma, não sem orgulho, como terra do Islão (dar al-islam), herdeira dos sultões-califas que guiaram política e espiritualmente a umma durante quatro séculos, e líder de uma expansão duradoura da fé islâmica na Rumelia — o nome otomano dado antigos territórios imperiais na Europa — superando os seus «irmãos árabes», que não conseguiram criar raízes duradouras no mítico Al-Andalus (a Península Ibérica)? Os europeus parece não terem visto, ou não quererem ver, mas a Turquia de Recep Tayyip Erdoğan tem mostrado onde estão as suas principais afinidades culturais-religiosas e as suas prioridades políticas. Talvez seja altura de nos começarmos a habituar à sua forma de estar na Europa.

© José Pedro Teixeira Fernandes, artigo originalmente publicado no Expresso nº 1747 (Actual, 22 de abril de 2006, pp. 20-23). Última revisão 15/06/2014

© Cartoon de Cristina Sampaio publicado originalmente no Expresso nº 1747 (capa da Actual, 22 de abril de 2006 / o desenho foi Prémio Stuart de Desenho Editorial em 2006)

A Grécia e as indemnizações da II Guerra Mundial

Paraquedistas alemães em Creta, Maio de 1941

Apesar do sofrimento do povo grego sob ocupação nazi, o seu governo que participou nos Acordos de Londres de 1953 fez parte desse esforço colectivo. A Grécia do pós-guerra foi um membro activo dos esforços reconstrução da Europa em novos moldes, desde o Plano Marshall de 1947 até à adesão às Comunidades em 1981. Impõe-se ao governo grego continuar esse legado.

 

1. A 8 de Maio, para os países ocidentais, ou 9 de Maio, para a Rússia, cumpriram-se 70 anos após o final da II Guerra Mundial (1939-1945) em solo europeu. Sendo um passado cada vez mais distante, as memórias da guerra continuam a fazer sentir o seu peso e a ensombrar o presente, especialmente no leste europeu (Polónia, Estados Bálticos, Ucrânia e Rússia) e na Ásia-Pacífico (China, o Japão e a Coreia).

Na Europa, a Grécia foi uma das muitas vítimas da invasão e ocupação pela Alemanha nazi, ocorrida após uma mal sucedida tentativa do aliado de Hitler, a Itália fascista de Mussolini. Entre 1941 e 1944 esteve sob ocupação militar alemã (Creta e ilhas do mar Egeu até ao final da guerra). As mortes resultantes da invasão e ocupação nazi, a grande maioria civis, provocadas sobretudo pelas más condições de saúde e alimentares, terão sido entre 250.000 a 400.000, consoante as estimativas. A seguir ao leste europeu, os Balcãs foram provavelmente a área onde a brutalidade da guerra mais se fez sentir na Europa.

2. No contexto da profunda crise financeira, económica, social e política que afecta a Grécia há vários anos, em 2013, o anterior governo grego liderado por Antonis Samaras da Nova Democracia, em coligação com o PASOK, reavivou a questão das reparações da II Guerra Mundial. Na altura, fê-lo de forma relativamente discreta e sem formular um pedido de indemnização oficial dirigido à Alemanha. A comissão encarregada do assunto procedeu a um trabalho de recolha de documentos da época, abrangendo os danos que o país sofreu devido à invasão e ocupação, na sua população, recursos e infraestruturas. Um caso específico incluído nesse levantamento foi o do empréstimo forçado feito pelo Banco da Grécia, para financiar o esforço de guerra da Alemanha nazi. O valor total das reparações devidas pela Alemanha foi calculado em cerca de 162 mil milhões de euros. 108 mil milhões a título de compensação pelos danos da invasão e ocupação e 54 mil milhões relativos ao empréstimo que o Banco da Grécia foi forçado a efetuar na época. (Spiegel Online International, 8/04/2013).

3. Com a chegada ao poder do Syriza em coligação com o ANEL/Gregos Independentes, em finais de Janeiro de 2015, a questão subiu um novo patamar. O primeiro-ministro Alexis Tsipras decidiu (re)lançar abertamente a questão das reparações de guerra. O valor avançado agora é substancialmente superior ao que terá sido calculado pela comissão encarregada do assunto durante o governo de Antonis Samaras (162 mil milhões de euros). Em inícios de Abril de 2015, o governo grego afirmava oficialmente que a Alemanha devia cerca de 279 mil milhões de euros de indemnizações de guerra (BBC, 7/04/2015). Os cálculos deste valor terão sido baseados na seguinte contabilização de danos (não são mencionados os critérios usados para a quantificação pecuniária): 40.000 pessoas executadas; 300.000 mortes por fome; 210.000 reféns de trabalho forçado na Alemanha; 63.000 judeus gregos que foram vítimas do Holocausto; 1170 cidades e vilas destruídas; 401 mil casas demolidas; 1,2 milhões que ficaram sem habitação; 906 navios comerciais afundados; 129 pontes destruídas; 298,753 toneladas de metais preciosos explorados ou extorquidos; 1058 tesouros arqueológicos saqueados. (Guardian, 8/04/2015). Tais danos totalizariam 268,4 mil milhões de euros. A estes acrescem, ainda, 10,3 mil milhões do empréstimo forçado feito pelo Banco da Grécia, num total de 278,7 mil milhões de euros. A título de comparação, a total da dívida pública grega era, em Janeiro de 2015, na ordem dos 317 mil milhões de euros, representando 177% do seu PIB (Financial Times, “Size of Greece’s debt limits scope for solutions”, 13/01/2015). Ou seja, as indemnizações de guerra reclamadas pela Grécia à Alemanha pagariam cerca de 88% da sua dívida actual.

4. O assunto pode ser analisado em vários planos: legal, moral e político. Do ponto de vista legal, a análise é complexa. Implica ter em conta disposições de múltiplos documentos diplomáticos e tratados, que vão desde o final da II Guerra Mundial, em 1945, até à reunificação alemã, no ano de 1990: documentos relativos às Conferências de Ialta e de Potsdam, respectivamente em Fevereiro e Julho-Agosto 1945; Acta Final da Conferência de Paris sobre as Reparações de Novembro-Dezembro de 1945, a qual fixou as percentagens do valor de reparação de guerra a receber por cada país e criou também a Agência Inter-Aliada de Reparações; disposições do Plano Marshall (oficialmente European Recovery Program/Plano de Recuperação Europeia) de 1947 e as condições colocadas pelos EUA aos Estados europeus que dele beneficiaram; o Acordo de Londres sobre a dívida externa da Alemanha de 1953; o Acordo Bilateral entre a Alemanha e a Grécia, com o pagamento de 115 milhões de marcos, a título de reparações; o Tratado sobre a Regulamentação Definitiva referente à Alemanha (vulgarmente conhecido como o Tratado Dois-Mais-Quatro), celebrado pelas duas Alemanhas da Guerra-Fria (RFA e RDA) e pelos Aliados que aí mantinham forças militares de ocupação desde 1945 (EUA, França, Reino Unido e ex-URSS), em Setembro de 1990. Só a análise destes documentos permitirá saber se, como sustenta a Alemanha, encerraram totalmente a questão das reparações. Se o assunto não estiver encerrado, como argumenta a Grécia, isso só por si não resolve o problema. Há a questão de saber qual o tipo de reparações ainda em aberto, ou a da sua quantificação monetária actual, como, por exemplo, no caso do empréstimo forçado do Banco da Grécia. Levantam-se assim diversos outros problemas, de maior ou menor dificuldade, que vão desde a determinação do critério a usar para chegar a um valor pecuniário dos danos, incluindo as perdas de vidas humanas, até às taxas de juro e de inflação a aplicar.

5. Faz sentido ligar o problema da dívida da Alemanha após a II Guerra Mundial ao problema da actual dívida externa grega e às negociações do seu financiamento? Esta é uma questão que inevitavelmente vem à mente. Há vários aspectos a considerar. O Acordo de Londres de 1953 continha de facto condições generosas para a Alemanha. Perdão de cerca de 50% da dívida, parte dela ainda da I Guerra Mundial, em condições bastante favoráveis de pagamento, incluindo prazos alargados e juros baixos, com um encargo anual de serviço da dívida não superando, na prática, 5% das receitas de exportação (ver Jürgen Kaiser, One Made it Out of the Debt Trap. Lessons from the London Debt Agreement of 1953 for Current Debt Crises, 2013). Naturalmente que pode ser útil discutir se o Acordo de Londres é um bom exemplo sobre aquilo que deveria ser aplicado à Grécia. Este facilitou, ou até possibilitou, o chamado “milagre económico alemão” dos anos 1950 e 1960. Não foram impostas à Alemanha políticas de austeridade similares às actuais. Esta é uma lição histórica que o governo de Angela Merkel não deveria esquecer. Importa, no entanto, não perder de vista as circunstâncias muito particulares em que esse acordo foi feito. Tratou-se, como é típico na política internacional, de uma generosidade interessada. Estávamos nos anos 1950, em plena Guerra Fria, onde para os EUA, o principal credor da Alemanha na época, a grande prioridade era a política de containment da ex-União Soviética. A normalização das relações económicas e financeiras da Alemanha, foi, por isso, subordinada a interesses político-estratégicos. Por essa altura, em 1955, a Alemanha, ou seja, a ex-RFA, tornava-se membro da NATO. A recuperação económica e o rearmamento da Alemanha era um prioridade nessa estratégia. Para além disso, o país tinha uma enorme tradição industrial e exportadora anterior à guerra, a qual poderia ser reconstituída de forma relativamente rápida, gerando excedentes comerciais. Estes beneficiariam os próprios credores dos países Aliados no seu ressarcimento.

6. É necessário ainda reflectir sobre as consequências que a exigência grega das reparações de guerra à Alemanha poderão ter. Além da questão legal e do precedente que inevitavelmente abriria para outros casos, há o aspecto moral e político. Importa não perder de vista o passado. A Europa que se criou após a II Guerra Mundial, a Europa das Comunidades a qual está na origem da União Europeia, não foi a Europa do acerto de contas e da revanche da I Guerra Mundial. O que se pretendeu criar foi uma nova forma de relacionamento entre os povos europeus, superando as trágicas rivalidades e antagonismo nacionais de forma duradoura. Não uma paz que fosse apenas um interlúdio para mais uma guerra. Naturalmente que isso teve um preço. Para poder ser feito, foi necessário um enorme esforço dos vencedores e dos vencidos da II Guerra Mundial. Para os vencedores, a generosidade, ainda que interessada, de ajudar à reconstrução económica e reabilitação política e moral dos derrotados, abdicando de grande parte dos seus créditos e das reparações de guerra e criando organizações que cimentassem a confiança. Para os vencidos, recriar política e economicamente o seu país num quadro democrático, pacífico e de respeito pela dignidade humana, inserindo-se activamente nas organizações que refundaram a Europa e reconciliaram os europeus. Este foi o maior legado que as gerações do pós-guerra nos deixaram. Apesar do sofrimento do povo grego sob ocupação nazi, o seu governo que participou nos Acordos de Londres de 1953 fez parte desse esforço colectivo. A Grécia do pós-guerra foi um membro activo dos esforços reconstrução da Europa em novos moldes, desde o Plano Marshall de 1947 até à adesão às Comunidades em 1981. Impõe-se ao governo grego continuar esse legado. Setenta anos depois, reabrir as feridas da II Guerra Mundial com pedidos de reparações de guerra é abrir caminho ao regresso à Europa do Tratado de Versalhes de 1919.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes, artigo originalmente publicado no Público, 13/05/2015

domínio público Imagem: foto (domínio público / Wikipedia) mostrando  tropas paraquedistas alemãs lançadas sobre a ilha de Creta, maio de 1941