A Grécia e a União Europeia: uma relação tumultuosa desde a adesão

Adesão da Grécia às Comunidades Europeias

A questão em aberto é a de saber se a evolução futura da Grécia se vai aproximar do padrão político dos anos 1980 […]  Ou então o Syriza, porque não é o PASOK – embora muitos dos eleitores sejam os mesmos – e também a União Europeia – porque não é a mesma dos anos 1980, onde imperava a coesão ditada pela Guerra Fria –, vão levar a relação conturbada para uma perigosa terra incógnita.

1. A atual turbulência nas relações entre a Grécia e a União Europeia não é um acontecimento tão singular como se poderia imaginar. Um olhar retrospetivo sobre a sua política externa mostra vários episódios de desalinhamento face à maioria dos Estados-membros da União Europeia. As razões estão, sobretudo, na especificidade da sua identidade, formação territorial e área geopolítica. Para o europeu médio a Grécia é um Estado europeu e ocidental, sem grandes margens para hesitações nesta qualificação. Não é difícil compreender tal percepção. O estudo da Antiguidade Clássica grega é, tradicionalmente, uma componente formativa basilar dos sistemas de ensino europeus e ocidentais. A herança da Grécia Clássica nos domínio das artes e da estética (arquitetura, escultura, literatura, teatro etc.), da reflexão filosófica (Sócrates, Platão, Aristóteles, etc.), da mitologia (Zeus, Neptuno, Afrodite, etc.), das realizações políticas (democracia de Atenas, autocracia de Esparta) e até dos conflitos militares (rivalidade entre Atenas e Esparta e guerras dos gregos com os persas, o “inimigo asiático” do mundo helénico), faz parte da formação do europeu medianamente culto, sendo incorporada na sua própria cultura nacional. No entanto, há um enorme hiato entre o passado e o presente, entre a Grécia clássica e a Grécia moderna, o qual dificulta a compreensão das especificidades da política interna e externa grega atuais. Se Grécia clássica é profundamente admirada e conhecida, já o mesmo não se pode dizer da Grécia moderna. O conhecimento e admiração do passado deram lugar aos estereótipos negativos do presente, como denotam, por exemplo, as recentes declarações dos principais dirigentes políticos portugueses.

2. Não é preciso recuar demasiado no tempo para se encontrarem divergências políticas importantes entre a Grécia e a maioria dos Estados da União Europeia (e da NATO). As guerras que levaram à implosão da Jugoslávia nos anos 1990 mostraram bem as diferentes leituras desse conflito. Na percepção dominante a ocidente, os sérvios eram os principais agressores enquanto os muçulmanos bósnios e os croatas eram as principais vítimas da agressão perpetrada pelos sérvios. Quanto à Grécia, a percepção dominante foi inversa. Para além da simpatia popular pelos sérvios – explicável, sobretudo, por razões históricas e geopolíticas –, o governo grego recusou-se a condenar a Sérvia e o regime de Slodoban Milosevic, bem como a participar na ajuda militar a croatas, a bósnios e albaneses-kosovares. Na altura, esta dissensão levou o politólogo norte-americano Samuel P. Huntington – o autor do controverso e provocatório livro sobre o “choque das civilizações” –, a qualificar a Grécia como “um estranho ortodoxo nas organizações ocidentais”. Ainda segundo Huntington, o comportamento da Grécia na Presidência do Conselho da União Europeia, em 1994, “irritou os outros membros e funcionários ocidentais, que, privadamente, rotularam de erro a adesão grega” (trad. port., Gradiva, 1996, p. 190). No caso do Kosovo, a Grécia – juntamente com Chipre, a Roménia, a Eslováquia e a Espanha –, mantém-se como um dos cinco Estados-membros da União Europeia que não reconhece esse ex-território sérvio como Estado soberano. Outro desalinhamento, ainda em aberto, surgiu ligado à questão da Macedónia. Em 1991, quando a República Socialista da Macedónia abandonou a Jugoslávia federal, a generalidade dos europeus e ocidentais ficou surpreendida pela tenacidade da oposição grega ao reconhecimento do novo Estado como “República da Macedónia”. Aquilo que visto sob o olhar exterior parece uma querela menor, na Grécia atingiu enormes proporções. Importa recordar que deu origem às maiores manifestações de massas da atual democracia grega implantada após o colapso da junta militar (ditadura dos coronéis, 1967-1974). Como se explica o nacionalismo exacerbado dos gregos? Vistas do exterior, as razões parecem longínquas e estranhas. Todavia, em regiões do mundo como os Balcãs, a História não é um mero conhecimento relegado para o foro da academia. É também uma arma política que sustenta discursos de teor nacionalista bem vivos. Importa ter em mente que os factos políticos são objecto de interpretações díspares dado serem vistos à luz de diferentes experiências colectivas. A pertença a uma determinada comunidade e/ou cultura é determinante nessa percepção. Assim, a designação “República da Macedónia” foi vista não só como uma tentativa de usurpação de um legado cultural helénico, mas também como um primeiro passo para possíveis reivindicações territoriais sobre a Macedónia grega. Na memória estão episódios da conturbada geopolítica dos Balcãs, especialmente as guerras de 1912-1913 pela posse dos territórios ex-otomanos, no qual se incluía a Macedónia. Essa disputa territorial teve sequelas na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais.

3. Se nos lembramos dos primórdios da adesão da Grécia à União Europeia em 1981 (na altura Comunidades Europeias), encontramos aí um outro período de divergência política face aos seus parceiros europeus e ocidentais e de divisões profundas na sociedade grega. A década de 1980 foi marcado internamente pela ascensão do Movimento Socialista Pan-Helénico (PASOK), de Andreas Papandreou. Na altura da sua chegada ao poder, na agenda política do partido, estava a saída da Grécia da União Europeia e também da NATO. Anteriormente, em 1979, pelas mãos de um governo da Nova Democracia liderado por Konstantinos Karamanlis, tinha sido assinado o Tratado de adesão às Comunidades Europeias (mais explicável por razões de Guerra-Fria do que pelo preenchimento dos requisitos de adesão). No meio disto, há uma ironia histórica que parece uma revanche. Em 1985, na altura da adesão de Portugal e de Espanha às Comunidades Europeias, o governo de esquerda do PASOK ameaçou obstaculizar a entrada dos países ibéricos, caso não obtivesse apoios financeiros adicionais (fundos estruturais). Trinta anos depois, em 2015, sãos os governos de direita português e espanhol dos mais intransigentes na renegociação do programa de apoio financeiro à Grécia. Numa perspetiva histórico-política alargada, o embate da Grécia com a União Europeia ligado hoje à sua enorme dívida e ao desacordo quanto ao programa de financiamento, é mais um episódio – ainda que um episódio maior –, de um padrão histórico-político. Esse padrão é o do relacionamento conturbado da Grécia com o Ocidente e as suas instituições mais representativas: a União Europeia e a NATO.

4. A componente nacionalista, ligada à especificidade da identidade, à formação territorial da Grécia moderna e à sua área geopolítica envolvente, tem sido uma constante com impacto direto nessa turbulência. Por isso, mesmo hoje, tem uma dimensão comparável, se não mesmo superior, ao lado ideológico (de esquerda radical), do governo de coligação liderado pelo Syriza. Para além das explicações económicas, o restabelecer do orgulho nacional e a atuação dura nas negociações europeias, são mobilizadores do apoio popular. Quanto ao Syriza, faz lembrar o PASOK, de marcado cariz ideológico e nacionalista, dos primórdios no poder. A questão em aberto é a de saber se a evolução futura da Grécia se vai aproximar do padrão político dos anos 1980, quando o PASOK chegou ao poder com uma retórica – o tempo mostrou ser inconsequente –, de retirar a Grécia da NATO e a da União Europeia. Paulatinamente, o partido evoluiu para o mainstream do consenso europeísta até que a atual crise o fez implodir eleitoralmente (43,9% dos votos em 2009; 4,7% em 2015). Ou então o Syriza, porque não é o PASOK – embora muitos dos eleitores sejam os mesmos – e também a União Europeia – porque não é a mesma dos anos 1980, onde imperava a coesão ditada pela Guerra Fria –, vão levar a relação conturbada para uma perigosa terra incógnita.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes, artigo originalmente publicado no Público, 18/02/2015

© Imagem: foto (Comissão Europeia / Serviços Audiovisuais) da assinatura, no Zappeion de Atenas, por Georgios Rallis, Konstantinos Karamanlis e George Contogeorgis, do Tratado de adesão da Grécia às Comunidades Europeias, 29/05/1979

A propaganda é uma coisa dos totalitarismos do passado?

Fascist Spectacle. The Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy

 

 

1. Quando pensamos em propaganda pensamos, quase automaticamente, no seu uso por regimes totalitários. Não é surpreendente, pois essa foi a experiência história bem traumática, europeia e ocidental, dos anos vinte aos anos quarenta do século XX. À mente vem-nos o seu uso por Mussolini durante o fascismo italiano, de Hitler na Alemanha nazi e também a versão estalinista-soviética, a qual perdurou ainda após o final da II Guerra Mundial. Na altura, os novos media de massas, a rádio, o cinema e a emergente televisão foram habilmente utilizados e manipulados para mobilizar a população e endoutriná-la numa certa visão ideológica totalitária. No caso do fascismo, a encenação propagandística de um “espectáculo para massas”, está bem analisada e documentada no livro de Simonetta Falasca-Zamponi “Fascist Spectacle. The Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy“.

2. Hoje, agora num quadro de sociedades democráticas e plurais, os mecanismos de propaganda tendem a ser mais subtis, mas não deixam, por isso, de ser eficazes. Há, desde logo, o fenómeno da(s) diversas “novilíngua(s)” que procuram desarmar intelectualmente o cidadão. Assistimos, no entanto, a uma perda de monopólio do Estado no uso da propaganda e à sua utilização por diversos atores, políticos e económicos ou sociais, sob múltiplas formas e outros nomes. Por exemplo, quando alguém procura um jornal, ou um livro de literatura – seja nas versões físicas ou digitais – , espera, tipicamente, informar-se e/ou “cultivar-se”. Mas será o que lê-mos razoavelmente “objetivo” e neutro do ponto de vista ideológico? Para além dos jornais e revistas assumidamente comprometidos com uma linha ideológica, serão os media e a literatura imunes à promoção de causas, agendas políticas, económicas ou sociais e a visões do mundo simpáticas para quem escreve (ou para os donos dos media…)? Obviamente que não são, até porque, mesmo tendo a objetividade por ideal (o que em muitos casos nem sequer acontece), há sempre uma inevitável intermediação humana entre os acontecimentos e o relato destes. Uma discussão interessante do uso da Literatura para propaganda está no recente artigo da revista “The Atlantic” (17/06/2014) “Is Literature ‘the Most Important Weapon of Propaganda’?”

3.  Para ajudar a reflectir sobre estas questões, um dos livros mais curiosos feito sobre a propaganda é da autoria de Jacques Ellul e intitula-se precisamente “Propaganda” (está facilmente acessível na trad. ingl. publicada pela Vintage Books). Originalmente publicado em língua francesa nos anos 60, em pleno conflito ideológico da Guerra Fria, encontra-se, nalguns aspectos, naturalmente datado. Todavia, contém também reflexões sagazes, que permanecem úteis para os tempos atuais. Uma das reflexões que se podem encontrar no livro dá que pensar. Como faz notar Ellul, ao contrário do que se poderia supor à primeira vista, um dos paradoxos da moderna e (sofisticada) propaganda é que são os indivíduos mais instruídos e cultos tendencialmente os mais susceptíveis de serem por esta afectados. A razão é simples: são os que consomem maior volume de “informação” muita da qual é impossível de confirmar, por falta de tempo ou de meios. Com a atual “proliferação” de informação na Internet e redes sociais o problema ganhou hoje uma renovada atualidade.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes, 20/06/2014

© Imagem: Livro “Fascist Spectacle. The Aesthetics of Power in Mussolini’s Italy” de Simonetta Falasca-Zamponi (University of California Press, 2000)

Elementos de Economia Política Internacional

Elementos Economia-Politica-Internacional

If economics is the study of the optimal use of scarce resources, political economy begins with the political nature of decision-making and is concerned with how politics will affect economic choices in a society. Society should be defined broadly to include not only countries or other such jurisdictions, but also firms, social groups, or other organizations.

Allen DRAZEN (2001, p. 6)

Over decades the increasing emphasis of the economics profession on abstract models and mathematical theories made economics less and less relevant to public discourse and inaccessible not only to the larger public but also to academic colleagues. This is especially unfortunate because economics, despite its frequently esoteric nature, is or at least should be at the heart of public discourse. The problem is particularly troubling because the intellectual vacuum left by economists is too frequently filled by individuals who misunderstand economics or deliberately misuse the findings of economics in their promotion of one panacea or another to solve the problems of both domestic and international economies.

Robert GILPIN (2001, p. 13)

 

Já decorreram cerca de quatro séculos desde que a expressão «Economia Política»[1] foi cunhada, no início do século XVII, para designar a ciência da produção e distribuição das riquezas à escala de um país. O termo deve-se a Antoine de Montchrestien, no livro Traité d’Économie Politique/Tratado de Economia Política (1615), uma publicação manuscrita, originalmente dedicada ao rei de França, Luís XIII, e à rainha mãe. Assim, desde a sua origem, o estudo da economia política preocupa-se com o significado e a importância da economia para a sociedade dentro do quadro fornecido pelo poder político do Estado. Se o interesse pela economia política (nacional) é bastante antigo, já o interesse pela economia política (internacional[2]) é muito mais recente, pelo menos quando aferido sob o ponto de vista institucionalização da disciplina, que só se verificou na década de 70 do século XX. Sejam quais forem as razões explicativas desse interesse e autonomização tardios[3], importa notar que esta é uma área do conhecimento sem o estudo da qual a compreensão do funcionamento do mundo sai manifestamente empobrecida. Isto resulta evidente não só para os estudantes dos cursos de Relações Internacionais – no âmbito do qual foi originalmente instituída a disciplina de Economia Política Internacional (EPI)[4] – como, em graus variáveis, para os estudantes de outros cursos das diferentes Ciências Sociais e Humanas e da Gestão[5]. Para estes últimos, uma compreensão da envolvente internacional da empresa e/ou da realidade social-internacional é uma mais-valia importante na sua formação académico-científica.

Tradicionalmente, o fenómeno político, no sentido estrito da palavra, é central na vida humana e social. Todavia, no últimos tempos, a centralidade tradicional do fenómeno político foi confrontada com uma progressiva ascensão do fenómeno económico. Este tende, cada vez mais, a ser um fenómeno nuclear na vida humana e social e a ganhar um peso acrescido na vida pública e no discurso dos governos e dos partidos políticos. Surge frequentemente associado às chamadas questões de relações internacionais e ao que hoje tende a ser designado por diplomacia económica. Todavia, ao contrário do discurso político, mesmo o de perfil mais académico, o qual é mais ou menos inteligível para o cidadão comum e para os não especialistas em Ciência Política, o discurso técnico económico levanta mais dificuldades de compreensão. Essas dificuldades resultam essencialmente do caminho seguido pela Economia na segunda metade do século XX. Esta tornou-se, progressivamente, numa disciplina matematizada e formalizada. No seu âmbito, a investigação valorizada em termos académico-científicos é feita com recurso a modelos analíticos de elevado grau de abstração e complexidade. Isto acabou por tornar os seus resultados dificilmente acessíveis, e frequentemente opacos, para os não especialistas.

Importa notar que este caminho seguido pela Economia teve diversas consequências importantes para a progressão do conhecimento nesta área. A mais evidente é um acréscimo de rigor analítico. Paralelamente, trouxe consigo um aumento do conhecimento ao nível macroeconómico e microeconómico, potencialmente útil para a governação do Estado e a atuação dos agentes económicos. Contudo, não se pode também perder de vista que a matematização e a formalização não garantem, automaticamente, maior cientificidade nem a relevância prática do conhecimento produzido. Desde logo há a questão dos limites do raciocínio matemático e da quantificação na apreensão do comportamento humano e social[6]. Ligado a esta surge o problema da racionalidade nas escolhas e decisões do homo economicus e da sua correspondência com o ser humano real. Ao estudar-se o ser humano apenas como um homo economicus – racional e maximizador de ganhos –, não se estará a simplificar demasiado o seu comportamento ao ponto de o distorcer, limitando aplicabilidade das teorias no mundo real? Destas limitações decorre inevitavelmente que, por muito sofisticadas e elegantes que sejam as teorias económicas e os modelos usados para as construir, podem fracassar no mundo real. O mesmo se pode dizer da capacidade de previsão da Economia – é intrinsecamente falível porque enfrenta constrangimentos mais ou menos similares aos das restantes Ciências Sociais.

Há ainda outras consequências a assinalar. Estas são, até certo ponto, inevitáveis, pela intrínseca complexidade da alguns assuntos económicos[7] No entanto, não deixam de trazer consigo facetas negativas. Uma dessas consequências é a dificuldade em comunicar, não só com o público em geral, mas também com os não especialistas em Economia, com formação académico-científica noutras áreas. Na já citada reflexão crítica de Robert Gilpin, a Economia ter-se-à transformado num conhecimento de «natureza frequentemente esotérica». Mas o problema não é estritamente académico e científico. Em sociedades democráticas a capacidade de comunicar com o cidadão comum, de uma forma inteligível, nas matérias que lhe são relevantes, tem especial importância. E o económico é hoje central na vida humana e na atuação dos governos.

Conforme notou o referido professor da Universidade de Princeton, o espaço deixado em aberto pela incapacidade de explicar as questões económicas à sociedade, normalmente não fica vazio. Tende, frequentemente, a ser ocupado por indivíduos que «não entendem a economia, ou, deliberadamente, fazem um mau uso dos seus conhecimentos utilizando-os como uma espécie de panaceia para resolver os problemas económicos, domésticos ou internacionais» (2001, p. 13). Face a esta debilidade que se projeta negativamente na compreensão das questões internacionais, os principais objetivos que nos propomos são os seguintes: (i) contribuir para uma correta apreensão e difusão dos conhecimentos de base económica necessários à compreensão das relações internacionais; (ii) analisar as complexas interações que se estabelecem entre o económico e o político no âmbito internacional, as quais tendem a ficar numa espécie de «zona cinzenta», normalmente não estudada nem pela Economia, nem pela Ciência Política/Relações Internacionais. A compreensão desta área supõe conhecimentos de base política do género dos usualmente ministrados nos cursos de Ciência Política/Relações Internacionais. Implica, também, o domínio de alguns conceitos e teorias de base económica. Embora estes instrumentos não sejam necessariamente tão aprofundados como na Economia vão, provavelmente, para além dos ensinamentos correntes ministrados no âmbito dos cursos das diferentes Ciências Sociais, por vezes frágeis nos seus conteúdos económicos.

Tendo em conta o duplo objectivo já referido, apresentamos em seguida um conjunto de notas e elementos teóricos mais ou menos introdutórios à temática da economia política internacional. Esta, importa notar, é uma matéria bastante vasta[8], de certo modo complexa e com alguma dificuldade de integração num todo coerente. A escolha das temáticas foi essencialmente baseada na nossa experiência docente e numa sensibilidade pessoal para a disciplina, sem qualquer pretensão de exaustividade. Esta até poderá ser considerada bastante seletiva. Todavia, a opção resultou da intenção deliberada de elaborar um texto não muito extenso e, tanto quanto possível, simples, claro e rigoroso. Os seus destinatários preferenciais todos aqueles que por razões de estudo académico e/ou interesse pessoal, têm necessidade de adquirir conhecimentos e refletir sobre as diversas matérias que configuram este campo de estudos. Assim, foi selecionado um conjunto de temáticas que, pela nossa experiência científica e pedagógica, nos pareceram particularmente relevantes e úteis para as finalidades da abordagem que nos propusemos efetuar. Optámos ainda por dividir o texto em duas partes, relativamente autónomas entre si. Numa primeira parte, de perfil mais descritivo e expositivo, procuramos explicar as diferentes perspetivas de abordagem da EPI e alguns instrumentos teórico-conceptuais que esta habitualmente utiliza, importados da Economia. Desta forma, no primeiro capítulo começamos por apresentar o objeto de estudo, bem como as diferentes perspetivas de abordagem à temática da economia política internacional, as quais podem conduzir a imagens bastante divergentes da disciplina. No segundo capítulo, são expostos alguns conceitos de base do sistema monetário e financeiro internacional. Aqui incluem-se as diferentes concepções doutrinais e os instrumentos da política comercial, teoricamente ao alcance dos Estados e/ou blocos de integração. São também descritos, de maneira assaz sintética, os principais mecanismos que regem o funcionamento da balança de pagamentos e da taxa de câmbio. Quanto ao terceiro capítulo, incide sobre a teoria do comércio internacional e os seus críticos. É abordada, nos seus traços essenciais, a teoria económica neoclássica da troca internacional, sendo também analisadas algumas das principais críticas e alternativas a esta.

Por sua vez, na segunda parte, efetuamos uma abordagem menos expositiva e mais analítica de algumas das principais matérias da economia política internacional contemporânea. Desta forma, no quarto capítulo o enfoque incide sobre as instituições de Bretton-Woods e a arquitetura económico-financeira e comercial mundial herdada do imediato pós II Guerra Mundial e os seus desenvolvimentos posteriores. No quinto capítulo são analisados alguns aspectos da teoria económica da integração internacional, com especial ênfase na experiência de integração económica da Europa. Este capítulo é completado com um estudo de caso sobre unificação monetária europeia e a atual crise do euro, sendo efetuada uma análise retrospetiva crítica do processo de construção da moeda única na União Europeia. Por último, no sexto capítulo, terminamos este livro com um abordagem à complexa e multifacetada temática da globalização da economia política internacional, com algum ênfase na atuação das empresas multinacionais. Inclui-se, ainda, um estudo de caso onde se procura analisar, em paralelo, o relativo declínio económico do Japão, com o cada vez mais visível impacto da China na economia global

 

NOTAS

[1] A designação compósita «Economia Política» sugere já as realidades objecto de estudo: a «economia», palavra que etimologicamente deriva do grego oíkos, «casa», e nómos, «lei», aponta para a gestão do património; e a «política», com origem etimológica na palavra grega polis, «cidade», indica o estudo dos fenómenos relativos à gestão dos bens de uma determinada colectividade, seja ela um Estado soberano ou outra forma de organização política das comunidades humanas.

[2] Importa notar que a designação inter-nacional, embora amplamente instituída, não deixa de conter alguma ambiguidade e imprecisão, na medida em que o elemento determinante na separação do objecto da economia política (nacional) face à economia política (internacional) não é exactamente a Nação, como sugere esta designação, mas sim o Estado. O que de facto ocorre é que os termos «Nação» e «Estado», embora sendo conceptualmente distintos – pelo menos assim é no âmbito da Ciência Política e de outras Ciências Sociais –, tendem frequentemente a ser usados de uma forma mais ou menos equivalente. À semelhança do que se verifica com muitos outros conceitos usados livremente, isto ocorre tipicamente na linguagem comum. Todavia, importa notar que ocorre também no campo da Economia, onde a designação «Nação» está profundamente enraizada desde o trabalho fundador de Adam Smith, Riqueza das Nações (1776). Nesta disciplina, a tradição de estudo e de investigação não levou a utilizações claramente diferenciadas entre estes dois conceitos. Por outro lado, como faz notar Michel Rainelli (1997 [2003], p. 8), «a priori, la nation n’est pas un concept de l’analyse économique; celle-ci s’intéresse en effet à des agents économiques qui sont différencies par leur rôles dans l’échange et dans la production et qui peuvent être, dans la théorie classique, les capitalistes, les propriétaires terriens et les salariés ou, dans la théorie néoclassique, les producteurs et les consommateurs. La nation se situe à un niveau de représentation des faits économiques différent: il s’agit d’une entité qui regroupe les différentes catégories d’agents économiques afin de comprendre les échanges qui se nouent entre ces blocs d’agents considérés comme des entités […] Les relations entre les nations seront alors des relations entre ces agents représentatifs qui offrent et demandent des biens à l’étranger. Or l’agrégation d’individus hétérogènes, mêmes s’ils sont tous maximisateurs d’utilité, est un problème très complexe».

[3] Razões às quais não são indiferentes os caminhos, progressivamente separados, da reflexão económica e da reflexão política, a partir do momento em que se constituíram como disciplinas autónomas, após a revolução Iluminista do século XVIII.

[4] Utilizamos a prática usualmente instituída de usar a sigla «EPI» para falar da disciplina e a palavra «economia política internacional», por extenso, para falar do conteúdo da disciplina.

[5] Do ponto de vista da Gestão, ou melhor, daquilo que hoje normalmente se designa como Gestão Estratégica (ou Estratégia Empresarial), as temáticas da EPI poderão ser enquadrada no âmbito de uma análise aprofundada do meio ambiente geral, mais especificamente dos factores políticos, económicos, sociais e tecnológicos que o caracterizam – vulgarmente conhecida como análise PEST –, os quais condicionam positiva e/ou negativamente o desenvolvimento da actividade da empresa. Já do ponto de vista da Direito a EPI fornece um conjunto de conhecimentos político-económicos que permitem explicar as razões da existência do(s) dispositivo(s) jurídico(s) internacional(ais) actuais quer, por exemplo, ao nível do funcionamento de organizações regionais de integração como as Comunidades/União Europeia quer, a um nível mais alargado, do funcionamento do sistema comercial e do sistema financeiro internacionais.

[6] Os trabalhos de Gary S. Becker, prémio Nobel da Economia em 1992 estão certamente entre aqueles que mais levantam essa questão epistemológica. Este professor de Economia e de Sociologia da Universidade de Chicago distinguiu-se pela aplicação da análise económica a diversas facetas do comportamento humano, como a competição política, o crime e a sua punição, o casamento, a fertilidade, etc. Em The Economic Approach to Human Behavior/A Abordagem Económica ao Comportamento Humano, inicialmente editado em 1975, pode-se encontrar um original conjunto de artigos publicados sobre estas matérias, que não deixa de surpreender todos aqueles que não estão familiarizados com o seu pensamento.

[7] Note-se que com isto não queremos dizer que os economistas devam abandonar a via da matematização e dos modelos formais, só porque o grande público e os não especialistas têm bastantes dificuldades em acompanhar essa evolução e frequentemente não entendem o discurso que daí resulta. Isso seria tão absurdo quanto defender que a física quântica deveria ser abandonada pelos físicos, só porque os não especialistas nessa matéria e o público em geral não conseguem entender a sua linguagem, nem os seus ensinamentos…

[8] Desta forma, optámos intencionalmente por excluir matérias que se podem enquadrar mais genericamente no campo da(s) Teoria(s) das Relações Internacionais, como a teoria neoliberal e a teoria neorealista, as quais já abordamos numa publicação anterior (apenas lhes faremos aqui umas breves referencias sumárias). E optámos também por não abordar outras teorias mais ou menos directamente ligadas ao campo da EPI, como, por exemplo, as teorias dos regimes internacionais e as teorias da estabilidade hegemónica, dado o perfil relativamente curto deste trabalho. Uma exposição sobre estas duas últimas teorias poderá ser encontrada, por exemplo, no livro de Gérard Kébabdjian (1976 [1999]), Les Théories de l’Économie Politique Internationale.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes

© Almedina, 2013 (excerto, Introdução)