O Futuro da Representação Política Democrática

O Futuro da Representação Política Democrática

Lançamento do Livro: 1 Julho 2015, 18h00-20h00,  Auditório JJ Laginha, ISCTE-IUL

Apresentação com Maria Flor Pedroso, Paulo Trigo Pereira e Viriato Soromenho Marques

 

Esta é uma época paradoxal. Por um lado, desde a terceira vaga de democratização à escala de mundial, que começou com o 25 de Abril de 1974, temos hoje provavelmente o maior número de sempre democracias no mundo.

Porém, por outro lado, «avolumam-se vários sinais de crise nos regimes democráticos representativos (…), nomeadamente, ao nível do núcleo duro destes regimes no Ocidente.» Há a clara e firme perceção (…) «de que estamos numa fase de transição para algo diferente. Todavia, há uma grande indefinição sobre o perfil dos novos regimes que resultarão desta transição (…).»

«Os diferentes capítulos do livro (sobre democracia, parlamentos, partidos, sindicatos, movimentos sociais, europeização e globalização) apresentam sempre evoluções prováveis, mais ou menos positivas (e mais ou menos desejáveis do ponto de vista normativo), consoante os cenários traçados, embora pudéssemos descrever cada um dos estudos segundo uma tónica dominante mais otimista ou mais cética, quer quanto às tendências atuais, quer quanto às perspetivas futuras (…).»

«Há, porém, pelo menos um forte traço de união entre os vários capítulos: (…) em estudo algum, perpassa a ideia de que não há alternativas mais democráticas face ao statu quo, rejeitando-se assim sempre a ideia de ‘não há alternativa’ em prol da ideia cara aos ativistas e teóricos alter-mundialistas de que ‘Outro mundo é possível’.»

Excertos da Introdução, por André FREIRE

 

 

AUTORES

Sob a coordenação de André Freire (ISCTE-IUL e CIES-IUL), um conjunto de prestigiados académicos, especialistas em cada domínio, escreve sobre «O futuro da representação política democrática»: as perspetivas futuras para a democracia (André Freire), a representação parlamentar (Cristina Leston-Bandeira, Universidade de Hull – Reino Unido, e Tiago Tibúrcio, CIES-IUL), os partidos (Marco Lisi, FCSH-UNL e IPRI-UNL), os sindicatos (Elísio Estanque, Hermes Costa e Manuel Carvalho da Silva – FE-UC e CES-UC) e os movimentos sociais (Britta Baumgarten, CIES-IUL). Adicionalmente, José Pedro Teixeira Fernandes do ISCET e IPRI-UNL (Europeização) e Emmanouil Tsatsanis do CIES-IUL (Globalização) escrevem sobre o futuro da representação política democrática ao nível da UE e do mundo, duas arenas fundamentais onde se joga o futuro da democracia.

O Futuro da Representação Política Democrática

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A diplomacia económica num mundo multicêntrico

Piet Mondrian, composição II em vermelho, azul e amarelo

About two generations ago, politics was in command and was the prime focus of foreign ministry work; the best diplomats specialized in this field. Then, commencing around the 1970s, economic diplomacy began to emerge as a major component of external relations, in some ways overshadowing political diplomacy; export promotion and foreign direct investment (FDI) mobilization became the priority activities of the diplomatic system.

Kishan S. RANA (2011, pp. 13-1-4)

 

[Si] le constat d’une place croissante de l’économie bénéficie d’un consensus, deux interprétations différentes en sont généralement proposées. La première, la plus communément répandue chez les spécialistes de relations internationales, n’y voit que l’extension du champ diplomatique traditionnel des États vers le domaine économique, en liaison avec la montée des interdépendances entre les économies. Au contraire, la seconde postule que les nombreux changements […] bouleversent complètement le cadre de l’action extérieure des États. De ces deux visions du monde naissent deux représentations de la diplomatie économique […].

Christian CHAVAGNEUX (1999, p. 33)

 

      Introdução

Na sua conceção tradicional a diplomacia consiste na condução das relações entre os Estados soberanos e outras entidades, feita por representantes oficiais e através de meios pacíficos (Bayne e Woolcock, 2007). Esta formulação é essencialmente herdeira do sistema diplomático italiano de cidades-estado do Renascimento. O modelo generalizou-se na Europa a partir do século XVII, surgindo, nessa altura, em França, a ideia de um corpo diplomático dependente da ação centralizada de um ministério dos negócios estrangeiros. Mais tarde, a partir de meados do século XIX, pela influência europeia, este modelo tornou-se mundial. Esta genealogia da diplomacia, diretamente ligada à experiência europeia e ocidental, enraizou a ideia de se tratar de um elemento intrínseco à soberania estadual e uma expressão desta no plano externo (Lee e Hudson, 2004). Assim, o núcleo duro da atividade diplomática centrar-se-à nas questões políticas, estratégicas e militares do Estado soberano. O livro Diplomacia (1994), da autoria do ex-Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, é claramente exemplificativo desta visão clássica. As suas quase novecentas páginas, cobrindo um período entre o século XVII e finais do século XX, são completamente dedicadas a assuntos político-estratégico-militares, centrados no passado europeu e ocidental. Richelieu, Metternich, Bismarck, Estaline e Churchill, entre outros, são personagens incontornáveis desta diplomacia clássica. Nela, as questões económicas e comerciais apenas ocupavam, ou pareciam ocupar pela forma como tipicamente é descrita e teorizada a atividade, um papel secundário e incidental. Todavia, esta preferência pela descrição e teorização da diplomacia como centrada em questões de high politics – estratégia de Estado, mediação em conflitos internacionais e guerras, negociações de tratados de paz, etc. – mesmo de um ponto de vista histórico não deixa de ser algo equívoca[1]. A atividade diplomática sempre foi multidimensional e as questões económicas e comerciais nunca estiverem afastadas desta (Lee e Hudson, 2004). A sua quase ausência na teorização clássica das relações internacionais e as relativamente escassas referências nas descrições da atividade, feitas por diplomatas, deve-se, pelo menos em parte, ao referido estatuto mais prestigiante das atividades de high politics. A isto acresce o provável enraizamento, dentro do próprio corpo diplomático, de um certo menosprezo pelas tarefas económicas e comerciais. Estas tendiam a ser vistas como menos relevantes e talvez, também, como pouco estimulantes – por isso, deviam ser deixadas para os serviços consulares. A este facto não será estranha a origem aristocrática de muitos dos que integravam a carreira diplomática e moldaram fortemente as suas práticas.

Todavia, nas últimas décadas, o mundo sofreu significativas modificações que acentuaram o peso dos aspetos económicos e comerciais na vida dos Estados e sociedades. Estas transformações passaram também a afetar o estilo e conteúdo da diplomacia, num duplo sentido: (i) o da reorientação da diplomacia estadual para atividades que podem ser qualificadas como diplomacia económica e/ou comercial; (ii) o da crescente relevância de novos atores, nomeadamente das grandes empresas multinacionais, na arena da diplomacia económica (Susan Strange, 1992; Christian Chavagneux, 1999). As raízes desta transformação encontram-se nos anos 70 do século XX, mas o processo intensificou-se com a atual globalização surgida na segunda metade da década de 80. No primeiro sentido apontado, a transformação foi bem captada por Edward Luttwak (2000) nos anos imediatos ao final da Guerra-Fria. Como este assinalou, a geopolítica – e a diplomacia centrada em questões de high politics –, iriam perder relevância nos Estados e zonas desenvolvidas do planeta. No entanto, nas zonas conflituais da periferia subdesenvolvida os instrumentos clássicos do Estado soberano – “o diplomata e o soldado” na expressão clássica de Raymond Aron –, continuriam a ser tão relevantes quanto o foram no passado. Em coerência com a visão realista que lhe está subjacente, Luttwak anteviu uma nova era de competição geoeconómica como dinâmica central das relações internacionais entre o mundo estatocêntrico desenvolvido.

Face às profundas modificações ocorridas nas relações internacionais das últimas décadas, nomeadamente às que decorrem da globalização, o principal objetivo deste artigo é fazer uma revisão, ainda que sumária, sobre a literatura teórica mais relevante em matéria de diplomacia, económica. Assim, será possível avaliar que medida a atividade diplomática – nos dois sentidos anteriormente apontados –, se transformou nas últimas décadas. A abordagem não se restringirá, desta forma, a uma lógica estatocêntrica, mas incidirá também no papel dos atores não estaduais – especialmente as empresas multinacionais –, crescentemente envolvidos em atividades que podem ser qualificadas de diplomacia económica e/ou comercial. Por último, a análise terminará com uma breve referência ao caso português, procurando avaliar em que medida as tendências detetadas na literatura teórica, e na prática diplomática de outros Estados, se refletem na (re)organização da diplomacia económica estadual portuguesa.

 

  1. A diplomacia económica: conceito, dimensões e evolução

O conceito de diplomacia económica tem sido objeto de alguma discussão teórica e de conceptualizações nem sempre convergentes. Uma provável explicação para isto reside no facto de o tratamento teórico do assunto ser relativamente novo, não existindo um quadro teórico enraizado e consensual. A isto acresce um bem conhecido problema: os conceitos nas Ciências Sociais e Humanidades são, tendencialmente, suscetíveis de formas diferentes de traçar os seus contornos. Para além das observações gerais, num rápido olhar sobre a literatura teórica verificamos duas divergências de fundo, as quais se refletem nos contornos dados ao conceito. A primeira divergência já foi assinalada. Deve-se ao facto de a diplomacia ser vista e teorizada numa lógica quase exclusivamente estatocêntrica, o que é provavelmente o caso mais frequente, mas é uma simplificação distorcedora da realidade. A esta visão contrapõe-se uma outra, de tipo multicêntrico, considerando a diplomacia económica para além da exercida pelos Estados soberanos. Paralelamente à diplomacia estadual, concentra particular atenção nas atividades de diplomacia económica e/ou comercial das grandes empresas multinacionais. É esse o caso dos trabalhos pioneiros de Susan Strange (1992; 1996), situados no cruzamento das agendas tradicionais de investigação das Relações Internacionais – tipicamente centradas só no Estado – e da Gestão Internacional, tipicamente centrada só na empresa multinacional. A interligação destes dois assuntos, normalmente estudados separadamente (Susan Strange, 1992, p. 14), tem implicações importantes num estudo compreensivo da diplomacia económica que traduza as mudanças estruturais ocorridas na economia mundial:

In the discipline of management studies, corporate diplomacy is becoming at least as important a subject as analysis of individual firms and their corporate strategies for finance, production and marketing. In the study of international relations, an interest in bargaining is already beginning […] A focus on bargaining, and the interdependence of the three sides of diplomacy that together constitute transnational bargaining, will necessarily prove more flexible and better able to keep up with change in global structures.

Esse estudo envolverá, necessariamente, as relações Estados-Estados, Estados-empresas e empresas-empresas, como veremos mais em detalhe no ponto subsequente desta análise. Quanto à segunda divergência, não se reporta diretamente aos atores envolvidos mas à amplitude dos fenómenos abrangidos pelo conceito. Encontramos definições bastante abrangentes, pretendendo englobar as múltiplas vertentes em que diplomacia económica se pode desdobrar. É esse o caso, por exemplo, de Guy Carron de la Carrière (citado em CCIP, 2012, p. 1) que a define como “a prossecução de objetivos económicos por meios diplomáticos, quer se apoiem, ou não, em instrumentos económicos para os atingir”[2]. Mas encontramos, também, aqueles que propõem definições mais estritas do conceito de diplomacia económica. É esse o caso de Raymond Saner e Lichiu Yiu (2001, p. 13), apoiando-se numa conceptualização anteriormente proposta por G. R. Berridge e Alan James, entendem ser útil destrinçar a diplomacia económica da diplomacia comercial. Nesta ótica de separação, a primeira, a diplomacia económica, poderá ser descrita como estando relacionada com as seguintes atividades:

Economic diplomacy is concerned with economic policy issues, e.g. work of delegations at standard setting organisations such as WTO […]. Economic diplomats also monitor and report on economic policies in foreign countries and give the home government advice on how to best influence them. Economic Diplomacy employs economic resources, either as rewards or sanctions, in pursuit of a particular foreign policy objective.

Por sua vez, ainda segundo os mesmos autores, a diplomacia comercial será essencialmente caraterizada por tarefas que, embora relacionadas, se situam num outro plano:

Commercial diplomacy on the other hand describes the work of diplomatic missions in support of the home country’s business and finance sectors in their pursuit of economic success and the country’s general objective of national development. It includes the promotion of inward and outward investment as well as trade. Important aspects of a commercial diplomats’ work is the supplying of information about export and investment opportunities and organising and helping to act as hosts to trade missions from home. In some cases, commercial diplomats could also promote economic ties through advising and support of both domestic and foreign companies for investment decisions.

Quer dizer, nesta definição, a diplomacia económica surge a um nível “macro”, relaciona-se essencialmente com aspetos de política económica, incluindo benefícios e sanções económicas de um Estado a outro(s). Pode ocorrer de forma bilateral ou multilateral, neste último caso tipicamente em Organizações Intergovernamentais (OIGs) como a Organização Mundial do Comércio (OMC), ou a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Quanto à diplomacia comercial, surge a um nível essencialmente “micro”, consistindo no trabalho de apoio das missões diplomáticas à expansão das atividades comerciais e financeiras das empresas de um Estado no exterior. Inclui a promoção do Investimento Direto Estrangeiro (IDE), dentro e fora do país, e do comércio. Uma parte importante da diplomacia comercial consiste na recolha de informação relevante para exportações e oportunidades de investimento, podendo também aproximar-se, nalguns casos, de uma atividade de aconselhamento tipo “consultadoria”. Embora esta distinção possa ser útil, sobretudo quando se trata de refinar a análise, face aos objetivos gerais deste artigo optámos por utilizar o conceito de diplomacia económica de forma abrangente. Quer dizer, o conceito irá ser utilizado em sentido lato incluindo neste aspetos que, num uso mais estrito, poderão ser considerados mais como atividades de diplomacia comercial.

Usando, também, ainda que de forma implícita, um conceito de diplomacia económica lato e estatocêntrico, onde interliga aspetos político-económicos-comerciais, Manuel Farto (2006) traçou vários objetivos e tarefas para a diplomacia económica. Segundo este, a sua ação deverá decorrer ao longo de três dimensões – a dimensão segurança, onde os objectivos políticos são dominantes; a dimensão reguladora onde os objetivos políticos e económicos coexistem; e a dimensão competitiva, de clara predominância económica (ver quadro seguinte).

 

Quadro 1 As dimensões de ação da diplomacia económica (estatocêntrica)

Dimensão Segurança Dimensão Reguladora Dimensão Competitiva
A ação segurança, pode-se exercer de várias formas, entre as quais se destacam a integração económica regional. O caso da integração económica europeia é, por si mesmo, exemplar. Embora o projeto visasse o desenvolvimento do comércio livre intra-europeu, tinha igualmente como objetivo a segurança política da própria Europa. Noramlmente admite-se que uma maior interdependência económica tenda a reduzir a conflitualidade entre Estados. Nestas circunstâncias, como quando intervém a resolução de conflitos, o objetivo dominante é político, frequentemente de política de segurança. Neste sentido, poderíamos ainda considerar uma distinção entre o cumprimento de objetivos de prevenção de conflitos como decorre da integração regional e a prossecução de objetivos relacionados com a resolução de conflitos, caso em que a intervenção da diplomacia económica procura contribuir para uma solução, apoiando ou sancionando economicamente uma ou mais partes em conflito. A acção reguladora exerce-se através da participação do Estado nas negociações para a definição da ordem económica internacional e na construção de agrupamentos regionais. Através destas ações, a diplomacia económica organiza a transferência de poderes internacionais e regionais. Isto ocorre num contexto em que os Estados perderam a exclusividade do controle sobre os seus processos económicos e sociais, embora possuam ainda elevadas responsabilidades no bem-estar das populações, que vão desde a utilização dos meios orçamentais até à preservação da coesão social. Quer dizer, os Estados permanecem fortemente responsáveis pela prosperidade interna, como pode ser observado, por exemplo, pela importância dada ao desenvolvimento económico nas económias emergentes, sobretudo através da influência que exercem no ambiente de trabalho das empresas e dos atores económicos em geral.Na acção da diplomacia económica em muitas instâncias e organizações internacionais torna-se difícil separar os objetivos políticos dos objetivos económicos, dependendo, sobretudo, das caraterísticas das próprias organizações. Esta acção é, naturalmente, muito limitada no caso dos Estados de reduzida dimensão ou fraco desenvolvimento. A ação   competitiva define-se por objetivos económicos, embora enquadrados por regras e acordos estabelecidos a outros níveis. Refere-se, sobretudo, à criação de um Estado competitivo e ao apoio às empresas nacionais operando na esfera internacional. Na verdade, se os Estados aceitam participar na globalização, não apenas as suas empresas mas o próprio Estado se insere, também, na concorrência internacional.A capacidade de atração dos investimentos internacionais exprime-se através dos níveis de fiscalidade, custos sociais para as empresas, eficácia dos meios de comunicação, etc., e ainda na captação de recursos humanos altamente qualificados.Face à proliferação de funções diplomáticas de atores e países que emergem nos mercados internacionais, acentua-se a necessidade de uma abordagem integrada e coerente face ao mundo exterior. Esta deverá compatibilizar os objetivos políticos e económicos, numa espécie de política económica externa. Articulam-se, assim, os objetivos nacionais em matéria de política externa com as ambições do país em matéria económica face ao exterior. Implica estratégias que integram aqueles dois níveis e definição de prioridades por região do mundo e/ou país, bem como objetivos específico das ações a empreender e os meios, humanos e financeiros, a afetar.

Fonte: Quadro baseado em Manuel Farto (2006) – adaptação

 

Em cada uma destas dimensões da diplomacia económica, os Estados dispõem, potencialmente, de vários instrumentos, alguns mais antigos, outros de uso mais recente, naturalmente nem todos ao alcance de qualquer Estado. As grandes potências económicas têm outros meios que, normalmente, as pequenas economias, sobretudo se estiverem fragilizadas por razões políticas e/ou financeiras, não dispõem ou não podem usar. Assim, no arsenal clássico de instrumentos da diplomacia económica constam, por exemplo, “uma presença comercial que funciona como vector de influência; uma posição de credor que justifica o uso de meios de pressão; uma vantagem financeira ou tecnológica que permite ser escutado e entendido; uma capacidade de investimento que se traduz em influência” (Ana Leal, 2007, p. 211). Como tem evoluído a diplomacia económica ao longo do tempo? O quadro subsequente – onde se apresenta uma possível tipologia dessa evolução na perspetiva europeia/ocidental –, dá-nos uma ideia concisa sobre as mutações entretanto ocorridas, desde aquilo que podemos considerar ser a sua primeira configuração moderna, ocorrida durante o século XIX. Estávamos, então, num período onde os interesses económicos dos Estados se interligavam, estreitamente, com as rivalidades entre impérios coloniais, tendo subjacentes claras lógicas de dominação de outros territórios e populações. Não tínhamos, naturalmente, uma economia globalizada com as caraterísticas que esta hoje apresenta, nem encontrávamos a multiplicidade de atores hoje encontramos no plano internacional.

 

Quadro 2 – Fases de evolção da diplomacia económica (estocêntrica)

1ª Fase: da segunda metade do século XIX à I Guerra Mundial
A diplomacia económica era essencialmente prosseguida através políticas de domínio e partilha do mundo, implementadas por um reduzido número de potências europeias/ocidentais. O objetivo fundamental consistia em obter vantagens económicas através de mecanismos de dominação colonial.
2ª Fase: do fim da I Guerra Mundial aos anos 1970
No imediato pós-II Guerra Mundial, e face ao coplapso da ordem económica anterior, a diplomacia económica concentou-se essencialmente nas negociações de acordos multilaterais, designadamente em matéria de pagamentos internacionais, no estabelecimento de mecanismos financeiros de ultimo recurso e no restabelecimento da ordem commercial internacional. O exemplo mais importante foram as negociações de BrettonWoods (1994) e a implementação dos respetivos acordos.
3ª Fase: dos anos 1980 até à atualidadeEnvolvimento da diplomacia nas atividades internacionais das empresas nacionais, quer apontando oportunidades ou facilitando a acesso a novos mercados – seja a nível do comércio ou de investimento –, quer procurando atrair as empresas estrangeiras para investir em território nacional. A diplomacia passou a ter um papel ativo no alcance de objetivos económicos nacionais, de bem-estar, competitividade, etc.

 

Fonte: Ana Leal (2007, p. 216) e Joaquim Ramos Silva (2002, p. 99) – adaptação

 

A proteção das empresas e do seu pessoal – nomeadamente em caso de crises graves ou guerras –, era uma das missões mais típicas da diplomacia nesta primeira fase, a qual perdurou, grosso modo, até à I Guerra Mundial. O pano de fundo era o da já referida competição político-económica entre as potências europeias e ocidentais, estreitamente ligada à lógica dos antigos impérios coloniais. Na transição da primeira para a segunda fase, ocorrida há cerca de um século atrás, surgiu uma nova faceta da diplomacia económica: a recolha de informação comercial no exterior. Este processo está na origem da criação dos adidos comerciais no âmbito das embaixadas (idem, p. 217). Nessa altura, a informação sobre mercados e oportunidades de investimento no exterior era, de uma maneira geral, de difícil acesso às empresas pelo que esta atividade adquiria particular relevância[3]. Após um período indefinido e bastante conturbado, entre a as duas guerras mundiais, uma segunda fase surgiu, então, no pós II Guerra Mundial. Esta perdurado basicamente até aos anos século 70 XX. Nela, a diplomacia económica baseou-se, sobretudo, num conjunto de práticas englobando três vertentes: a proteção das empresas, a recolha de informação e o apoio material e financeiro para enfrentar as exigências excecionais dos mercados externos. Atualmente, a diplomacia económica encontrar-se-à numa terceira fase cujas raízes se encontram nos anos 80 do século passado e ligadas aos primórdios da atual globalização. Os Estados passaram a concentrar-se no apoio às suas empresas no exterior e na atração de investimentos de empresas estrangeiras para o seu próprio território. As redes de embaixadas, transformaram-se, gradualmente, em áreas de apoio às atividades económicas internacionais. Naturalmente que isto implicou uma transformação das tarefas dos diplomatas. Estas não se circunscrevem à participação em negociações em organismos internacionais de tipo político-económico. Pelo contrário, as preocupações e tarefas ligadas, direta ou indiretamente à competitividade da economia nacional e à presença das empresas no exterior ocupam cada vez mais a diplomacia.

 

  1. O carácter multicêntrico da atual diplomacia económica

Conforme já referido, com a atual globalização, assistiu-se a um aumento significativo do grau de interdependência e complexificação das relações internacionais. Entre as várias consequências desta, encontra-se um acréscimo significativo da competição entre os Estados por ganhos económicos, atração de investimento direto estrangeiro (IDE) e abertura dos mercados externos às empresas nacionais. Paralelamente, estes prosseguiram formas de cooperação interestaduais, de modo a procurar reverter os processos de globalização a seu favor, nomeadamente ao nível da Organização Mundial de Comércio (OMC), mas também de organizações de integração regional como a União Europeia, o North American Free Trade Agreement (NAFTA) ou o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Conforme fazem notar Raymond Saner e Lichiu Yiu (2001, p. 2), para além da colaboração/competição acrescida entre os atores estaduais, diversos atores não estaduais como as Organizações Não Governamentais (ONGs) e, sobretudo, as empresas multinacionais adquiriram uma crescente relevância nas relações internacionais, económicas e políticas:

While economic objectives are driving companies and nation states into collaborative competition, for instance within the context of WTO, the civil society non-governmental organisations (NGOs) are adding their voice to the economic policy debates by organising and lobbying across national boundaries in order to have a greater influence on international economic policy making. This trend has gained momentum evidenced by the active involvement of NGOs in international cooperation for development, by their increasing vocal criticisms of unfettered capitalism, by the conflicts between indigenous groups with TNCs in regard to exploitation of natural resources, and by the confrontation between citizen groups and their respective national governments on various socio-economic policy issues.

Mas não são apenas as empresas multinacionais e as ONGs que têm de ser tidas em conta. Nos países mais desenvolvidos, a participação de múltiplos atores não estaduais nas relações internacionais é um processo que se tem claramente acentuado nas últimas décadas. Contrasta, flagrantemente, com a sua relativa ausência da maioria dos estudos teóricos sobre a diplomacia[4], ainda muito dependentes de uma visão estatocêntrica das relações internacionais. Todavia, nos países mais desenvolvidos, a distinção entre assuntos internos e política externa tem-se diluído, verificando-se “uma participação de múltipos atores na diplomacia, nas relações económicas externas e nos assuntos públicos”. Esses processos podem ser descritos como ocorrendo de acordo com as seguintes tendências (idem, pp. 3-11):

i) proliferação de “departamentos de negócios estrangeiros” em governos e ministérios centrais e regionais;

ii) emergência de funções diplomáticas em empresas multinacionais;

iii) crescente participação de ONGs transnacionais na governação internacional e diplomacia económica.

Os novos entrantes não estaduais na arena diplomática representam múltiplos grupos e organizações de interesses infranacionais, nacionais e internacionais. Outra tendência curiosa ocorre em relação aos Estados soberanos, onde os parlamentos tendem, também, a envolver-se crescentemente em acções diplomáticas, ligadas sobretudo a questões políticas (Stavridis e Pace, 2012). Estes atores heterogéneos praticam diferentes formas de diplomacia para prosseguir os seus próprios objetivos. As funções/papéis diplomáticos que lhe estão associados, em coexistência e/ou competição com os Estados soberanos, podem ser caracterizados da maneira como se apresenta no quadro subsequente.

 

Quadro 3 Os Diferentes atores e papéis na diplomacia pós-moderna

   Funções  Papéis 
Estados Diplomacia económicaDiplomacia comercial Diplomatas económicosDiplomatas comerciais
 Atores não Governamentais Diplomacia empresarial (corporate diplomacy)[5]Diplomacia de negócios (business diplomacy)[6]ONGs nacionaisONGs trasnacionais Diplomatas empresariais (corporativos)Diplomatas de negóciosDiplomatas de ONGs nacionaisDiplomatas de ONGs transnacioanais
 

    Fonte: Raymond Saner e Lichiu Yiu (2001, p. 12) – adaptação

 

O caso das empresas multinacionais, ou transnacionais, como também são designadas, é particularmente interessante para esta análise. Independentemente da visão positiva ou negativa que se possa ter sobre estas, parecem ser os atores que mais vantagens retiraram da atual globalização, pelo menos da sua faceta de abertura dos mercados internacionais. Claro que isto só foi possível porque também a generalidade dos Estados desenvolvidos – a começar pela principal potência económica mundial, os EUA –, anteciparam, correta ou incorretamente, ganhos significativos de bem-estar com a implementação desta abertura dos mercados. Seja como for, os produtos/serviços das multinacionais são indubitavelmente o rosto mais palpável da globalização[7] para o indívuo comum, até pelo carácter em grande parte abstracto desta.

 

Figura 1 – a diplomacia económica multicêntrica (Estados e empresas)

Triângulo da Diplomacia Económica

 

 

Fonte: Elaboração do autor baseado em informação recolhida em Susan Strange (1992, pp. 6-8) e Christian Chavagneux (1999, pp. 36-38)

 

Conforme já salientado – e agora representado na figura supra –, a atual diplomacia económica joga-se não só nas relações Estados-Estados, como nas relações Estados-empresas e empresas-empresas. A isto poderão acrescentar-se ainda outros atores relevantes, sendo esse o caso de algumas ONGs influentes ligadas, direta ou indiretamente, a questões de economia política internacional (por exemplo, o Green Peace nas questões ambientais). Focalizando a análise só nas atividades das multinacionais estas tenderam a gerar um relacionamento complexo com os Estados, não isento de turbulência. Como evidencia Christian Chavagneux (1997, p. 37), coexistem múltiplas situações onde a cooperação e o conflito são uma constante pelas finalidades próprias de cada um destes atores:

L’enjeu des relations États-firmes est celui de la compétitivité des territoires et du contrôle de l’activité des entreprises. Alors que les États veulent profiter de la division internationale du travail, quelle que soit l’entreprise qui produise sur leur territoire, les firmes multinationales veulent maîtriser leurs processus de production, quel que soit l’endroit où elles s’installent. Cela peut conduire aussi bien à la coopération ou au conflit si l’entreprise choisit une autre localisation ou si l’État cherche à contrôler les activités de l’entreprise (lois sociales, environnementales, obligation de résultats…).

Assim, neste ambiente internacional cada vez mais global, paralelamente à diplomacia económica prosseguida pelos Estados – eventualmente em articulação com o seu Estado de origem –, as grandes empresas multinacionais tendem a desenvolver, também, a sua própria diplomacia. Aqui podem-se incluir dois subtipos de diplomacia: i) a diplomacia corporativa (corporate diplomacy), essencialmente ligada à forma como as empresas se adaptam à cultura dos países de acolhimento; ii) e a diplomacia de negócios (business diplomacy), desenvolvida no âmbito das relações outros atores (Estados OIGs, ONGs, etc.), nomeadamente em matéria de políticas e estratégias de investimento e de negócios.

Uma outra tendência é a da crescente participação das Organizações Não Governamentais em atividades diplomáticas de perfil económico. Duncan Green e Phil Bloomer (2007, p. 117) explicam como a globalização, nomeadamente na sua vertente tecnológica, ao trazer consigo a massificação de tecnologias de comunicação baratas, permitiu às ONGs tornaram-se “globais”, estabelecendo redes de alianças para prossecuação dos seus objetivos:

The rapid spread of cheap communications technology has enabled NGOs to ‘go global’. […] In recent years, North–South alliances of NGOs have successfully pushed issues to the top of the political agenda at meetings of the G8, the World Bank, and the WTO. Landmark initiatives, such as the International Criminal Court and International Landmines Treaty, were spearheaded by joint efforts of concerned citizens and NGOs, while sustained campaigns have sought to improve the respect of transnational corporations for labour rights and reduce the damage they cause to local communities and environments.

Como referem também os mesmos autores, nos últimos tempos as ONGs têm usado um parte significativa dos seus recursos para tentar influenciar as atividades de outros atores – nomeadamente decisões políticas de instituições internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC, G20 etc.) e a atuação de atores privados de impacto internacional, como as empresas multinacionais –, em assuntos que integram a sua agenda (idem, p. 118) :

[…] NGOs have devoted an increasing amount of resources to ‘advocacy’ – influencing public policy, and the activities of other actors such as private companies and international institutions. The motive for this evolution was NGOs’ frustrations at building islands of success in a sea of failure. Their good projects were swept away by larger political and economic tides, such as the structural adjustment programmes of the 1980s and 1990s, premature trade liberalization and more recently, the growing impact of climate change. The focus of such international advocacy was primarily, though not exclusively, economic policy: globally, on issues such as debt relief, aid or climate change; in rich countries on issues such as the negative developmental impact of the EU’s Common Agricultural Policy or US cotton subsidies; or in developing countries on support for small farmers or the terms of bilateral and regional trade agreements.

O motivo desta deslocação da atuação para a promoção (advocacy) de certos temas resultou da constatação de que, no passado, apenas conseguiram “contruir algumas ilhas de sucesso num mar de falhanços”. Assim, este novo enfoque foi visto como uma mudança para uma estratégia mais eficaz e passou a incidir, em grande parte, em questões de política económica. Exemplos típicos são as ações para o cancelamento ou redução da dívida dos países mais pobres, a pressão para o incremento da ajuda ao desenvolvimento, ou as suas recomendações para as negociações ambientais e comerciais mundiais. Como já referido, o objetivo passou a ser principalmente influenciar a decisão de outros atores com maior poder internacional – Estados, OIGs e empresas multinacionais. Embora quando aferidos pelos objetivos traçados por elas próprias – normalmente bastante ambiciosos –, os resultados da diplomacia económica das ONGs fiquem, na maior parte dos casos, aquém das metas, não são, de forma alguma, negligenciáveis[8]. A sua visibilidade junto dos media e atuações no terreno condicionam, indubitavelmente, a margem de atuação dos Estados e de outros atores, seja no terreno da diplomacia económica ou fora dela.

 

  1. A diplomacia económica estadual portuguesa: os desenvolvimentos recentes

As ideias sobre a diplomacia económica que analisamos anteriormente de alguma forma têm também tido impacto em Portugal, quer na discussão teórica sobre o assunto, quer sobre a prática diplomática do Estado português. É sobre este segundo aspeto – o do seu impacto na organização do corpo diplomático e dos organismos públicos vocacionados para essa atividade –, que nos vamos efetuar uma breve retrospetiva.

De acordo com Manuel Ennes Ferreira e Francisco Rocha Gonçalves (1999, p. 119), o momento fundador damoderna diplomacia económica portuguesa terá ocorrido em 1949, com a criação do Fundo de Fomento de Exportação (FFE). Mas não é sobre esses desenvolvimentos mais antigos que vai incidir esta abordagem. Apenas nos vamos referir àqueles que ocorreram mais próximos da atualidade. Isto, já num contexto de integração europeia e de globalização da economia portuguesa. Tal como se verifica noutros Estados, detecta-se, nas duas últimas décadas, um esforço de adaptação à nova realidade internacional. Indubitavelmente os aspetos económicos e comerciais adquririram uma importância acrescida face às questões internacionais de perfil estritamente político.

 

Quadro 4 Alguns Modelos de Diplomacia Económica

Modelo americano

Assenta principalmente nas fundações e instituições privadas, mais recentemente também em agências autónomas face aos departamentos ministeriais com formas jurídicas muito diversas. No seu arranque, o modelo diplomático prevalecente durante o século XX, inspirou-se um pouco na prática francesa, com secções comerciais nas embaixadas mais cuja competência se limitava ao apoio às empresas.

Modelo britânico

Alicerça-se num organismo específico – o UK Trade and Investment – criado em 2003 e colocado sob a tutela do Ministério do Comércio e do Investimento. Apoia a expansão das empresas no estrangeiro mas também os investimentos estrangeiros no Reino Unido, bem como a imagem dos produtos britânicos nos mercados estrangeiros. Observa-se o mesmo movimento de fusão de equipas no seio das embaixadas. Os britânicos praticam, desta forma, uma delegação da gestão da ação externa. Em 2008, o governo britânico criou o Business Ambassadors Network com o objetivo de ajudar as PME, não tanto a ganhar oportunidades comerciais mas sobretudo a aceder aos mercados.

Modelo alemão

É bastante diferente dos modelos anteriores pois, desde o final da II Guerra Mundial, que se baseia nas câmaras de comércio com o apoio dos Länder[9]. A presença do Estado é limitada às initcativas consulares ou profissionais a favor das empresas.

 Modelo italiano

Baseia-se num centro nacional do comércio externo abrangendo secções regionais direcionadas para as PME e departamentos únicos no estrangeiro ligados à rede diplomática.

Modelo japonês

Assenta essencialmente no MITI, o Ministério da Economia, erigido a seguir à II Guerra Mundial, mas a diplomacia económica japonesa (keizai gaikou) sofre bastante com a fraqueza das ambições políticas do país na cena externa. Assim, foram as multinacionais japonesas que desenvolveram largamente uma business diplomacy.

Modelo chinês

Tem origem numa outra lógica. Se a diplomacia chinesa, tal como as ocidentais, tem por objetivo apoiar o desenvolvimento económico do país, tem também por missão acompanhar o processo de emergência política da China na cena internacional. Mas a diplomacia chinesa é sobretudo amplamente dedicada à questão da segurança de aprovisionamento de matérias-primas e minerais, daí a importância da diplomacia do petróleo.

    Fonte: CCIP (2012, p. 2) – adaptação

 

A observação anterior é particularmente válida para um país que não está diretamente envolvido em conflitos internacionais clássicos, de tipo político-militar, como é atualmente o caso português. Assim, em Portugal, os desenvolvimentos dos últimos anos remetem para o quadro legal regulador a diplomacia económica – assente na resolução do Conselho de Ministros nº 152/2006[10], adoptada no âmbito do XVII Governo Constitucional (2005-2009). Nesse texto legal começa por ser explicitada a definição oficial de diplomacia económica, a qual é apresentada como abrangendo as seguintes instituições públicas e atividades:

[A] atividade desenvolvida pelo Estado e seus institutos públicos fora do território nacional, no sentido de obter os contributos indispensáveis à aceleração do crescimento económico, à criação de um clima favorável à inovação e à tecnologia, bem como à criação de novos mercados e à geração de emprego de qualidade em Portugal.

Por sua vez, o mesmo diploma aponta também, no seu nº 2, como principais objectivos da diplomacia económica portuguesa os seguintes:

a) Promover a imagem de Portugal como país produtor de bens e serviços de qualidade para exportação, como destino turístico de excelência e como território preferencial de intenções de investimento, no quadro de uma economia internacional globalizada;

b) Cultivar e aprofundar relações com os principais agentes económicos estrangeiros que tenham ou possam vir a ter relações com Portugal, com os decisores de grandes investimentos económicos e com os criadores de fluxos e rotas importantes no plano turístico;

c) Apoiar a internacionalização das empresas portuguesas, quer no respeitante a estratégias de comercialização quer no atinente à fixação de unidades produtivas no exterior, quer ainda por via da detecção de oportunidades geradoras de maisvalias potenciais para o País e suas empresas.

A nível governamental, as incumbências da diplomacia económica passaram a recair sobre dois ministérios – Negócios Estrangeiros e Economia –, como referem os nº 3 e 4 do mesmo despacho, que atribuem as seguintes tarefas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros:

a) Sedimentar a imagem externa de Portugal e representar os interesses nacionais, estabelecendo contactos e criando um ambiente favorável à atracção dos agentes económicos estrangeiros pelo mercado português e à abertura dos mercados externos aos bens, serviços e investimentos portugueses, designadamente através das embaixadas e consulados que o integram;

b) A detecção, através da acção dos representantes diplomáticos, de oportunidades de negócio, alertando as entidades portuguesas responsáveis para elas;

c) Estreitar contactos com as comunidades de empresários portugueses no estrangeiro e suas relações com a economia portuguesa.

Por sua vez o Ministério da Economia – na altura Ministério da Economia e da Inovação, atualmente Ministério da Economia e do Emprego –, incluindo as entidades públicas na sua dependência, passou a ter as seguintes incumbências no âmbito da diplomacia ecomómica estadual portuguesa:

a) Promover as acções previstas na lei na defesa dos interesses nacionais com vista à promoção da Marca Portugal, salientando a imagem do País como país moderno, inovador e competitivo;

b) O fomento das exportações, à promoção da captação e manutenção do investimento estrangeiro;

c) A internacionalização das empresas portuguesas;

d) A atracção do turismo e a promoção de Portugal como destino turístico.

Conforme se pode verificar pela organização descrita, a diplomacia económica do Estado português tem procurado articular o tratamento de assuntos económicos efetuado, tradicionalmente, por dois diferentes ministérios: Negócios Estrangeiros e Economia. Entre as mudanças operadas, contam-se por exemplo, a integração dos delegados do ex-Instituto do Comércio Externo de Portugal (ICEP) na estrutura das embaixadas, passando a ser designados como conselheiros económicos e comerciais.

Posteriormente, já sob o governo seguinte, ao nível do Ministério da Economia e da Inovação determinou-se a extinção do ICEP e a integração das suas atribuições na Agência Portuguesa para o investimento (API), esta última reestruturada e redenominada Associação para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) – ou seja ICEP/API/AICEP. Ao nível do MNE foi criada a Direcção-Geral dos Assuntos Técnicos e Económicos (DGATE), responsável pela condução da diplomacia económica em articulação com os restantes agentes competentes.

Face a estes desenvolvimentos recentes, uma questão, obviamente relevante mas que extravasa o objeto de análise deste trabalho, é a da avaliação do grau de eficação da diplomacia económica estadual portuguesa[11]. (Fim da Parte I)

 

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NOTAS

[1] “[A] closer reading of diplomatic memoirs as well as official documentation, and a deeper dip into diplomatic history, reveals a diplomacy that is multidimensional. These sources indicate that diplomatic activity is primarily concerned with the building of economic and commercial relations and that it is sometimes concerned with political relations. Thus, far from being a departure from traditional diplomacy, the economic and commercial aspects are fundamental to it” (Lee e Hudson, 2004, pp. 349-350).

[2] Esta definição abrangente de Guy Carron de la Carrière engloba “a diplomacia económica de chancelaria (ou diplomacia macroeconómica) e a diplomacia económica do terreno (ou diplomacia microeconómica). A diplomacia macroeconómica dizendo respeito à diplomacia económica de enquadramento que realiza a construção de sistemas ou regimes internacionais, tendo como actor central o Estado, enquanto a diplomacia microeconómica está mais próxima da diplomacia económica contemporânea e tendo como actor central as empresas” (citado em Ferreira e Gonçalves, 2009, pp. 1118-119).

[3] Esse papel clássico do adido comercial perdeu relevância, não só devido a uma muito maior facilidade que hoje existe no acesso à informação externa, como porque as negociações comerciais e, sobretudo, as decisões de investimento, têm, naturalmente, de ser tomadas pelas próprias empresas.

[4] “The neglect of the economic dimension of diplomacy in orthodox studies has proved particularly costly in the study, for example, of the impact of non-state actors in multilateral and bilateral diplomacy. The scope for international business groups such as the International Chamber of Commerce, the World Economic Forum, and the Transatlantic Business Dialogue, to influence multilateral diplomacy at the international level has grown with the creation and development of, for example, the GATT/WTO, the United Nations and economic summits” (Como explicam Lee e Hudson, 2004, p. 346).

[5]“Corporate Diplomacy consists of two organizational roles considered to be critical for the successful coordination of a multinational company, namely that of a country business unit manager who “should be able to function in two cultures: the culture of the business unit, and the corporate culture that is usually heavily affected by the nationality of the global corporation”; and that of a corporate diplomat who as a home country or other national who is impregnated with the corporate culture, multilingual, from various occupational backgrounds, and experienced in living and functioning in various foreign cultures. These two roles are essential “to make multinational structures work, as liaison persons in the various head offices or as temporary managers for new ventures” (G. Hofstede citado em Raymond Saner e Lichiu Yiu, 2001, p. 15).

[6] “Business Diplomacy pertains to the management of interfaces between the global company and its multiple non-business counterparts and external constituencies. For instance, global companies are expected to abide by multiple sets of national laws and multilateral agreements set down by international organizations such as the World Trade Organization (WTO) and the International Labour Organization (ILO). On account of a global company, Business Diplomats negotiate with host country authorities, interface with local and international NGOs in influencing local and global agenda. At the firm level, they will help define business strategy and policies in relation to stakeholder expectations, conduct bilateral and multilateral negotiations, coordinate international public relations campaigns, collect and analyse pertinent information emanating from host countries and international communities” (Raymond Saner, Lichia Yiu, Mikael Sondergaard citados em Raymond Saner e Lichiu Yiu, 2001, p. 16).

[7] Sobre este assunto ver, entre outros, José Pedro Teixeira Fernandes (2013), Elementos de Economia Política Internacional, especialmente o capítulo 6 intitulado a “A globalização da economia política internacional”.

[8] “[…] NGOs are (or can be) particularly good at certain things. They talk the language of politicians – telling stories, establishing a straightforward narrative, and illustrating it with the kinds of ‘killer facts’ that stick in the mind and that civil servants need to include in decision-makers’ speeches. One of the author’s most memorable experiences in this regard was coming up with a simple calculation that each European cow receives support amounting to some $2 a day from the Common Agricultural Policy, more than the income of half the world’s population. The ‘cow fact’ promptly went ‘viral’, becoming a ubiquitous meme demonstrating the EU’s double standards on development. The same skills also mean that NGOs are often good at getting media coverage for their views, something any politician is keenly aware of. When one of the authors worked in DFID’s International Trade Department, the only time he saw the Secretary of State’s special adviser was when a trade-related story appeared in the Financial Times” (Duncan Green e Phil Bloomer, ibidem, p. 121).

[9] Os Länder são os Estados (não soberanos) que integram a atual República Federal da Alemanha.

[10] O texto da resolução do Conselho de Ministros nº 152/2006 pode ser consultado no Diário da República eletrónico em http://dre.pt/pdf1sdip/2006/11/21600/77837784.PDF [Acedido em 28/12/2012]. Este diploma revogou o modelo anterior de diplomacia económica, baseado no despacho conjunto nº 39/2004, de 6 de janeiro, dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Economia, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 18, de 22 de janeiro de 2004.

[11] Para uma avaliação crítica da eficácia da diplomacia económica portuguesa – quer a estadual, quer a prosseguida por algumas empresas portuguesas –, ver o artigo de Manuel Ennes Ferreira e Francisco Rocha Gonçalves (2009), “Diplomacia Económica e Empresas de Bandeira: o caso da Galp e da Unicer em Angola” in Relações Internacionais nº 24, dezembro, pp. 115-133.

 

©José Pedro Teixeira Fernandes, “A Diplomacia Económica num Mundo Multicêntrico, artigo originalmente publicado em Percursos & Ideias, nº 5, 2ª série, 2013, pp.14-21

domínio público Imagem: foto (domínio público / Wikipedia) do quadro de Piet Mondrian, composição II em vermelho, azul e amarelo, 1930

A ‘privatização‘ da REN: alguém pensou no futuro?

REN logo

 

A colocação de empresas de sectores estratégicos nacionais, como a EDP e agora REN, nas mãos de accionistas estrangeiros de estados autoritários – a China e Omã – poderá tornar-se, num futuro não muito distante, um pesadelo para o Estado português. Na realidade, estamos perante falsas privatizações. A chinesa State Grid Internacional – que ficou com 25% do capital da REN – , não é, sob ângulo nenhum, uma empresa privada, mas um organismo “empresarial” do Estado chinês. Importa recordar, que este, por sua vez, é controlado pelo partido comunista da China. Ironia: um governo que se preocupa com a autonomia e os centros de decisão em Portugal a melhor solução que tem é colocar infraestruturas críticas nas mãos do…. partido comunista chinês?! Quanto à Oman Oil Company – que passa a deter 15% na REN – , é uma empresa estatal de uma “petromonarquia” árabe a qual também nada tem de democrático. A isto poderiam juntar-se outras questões delicadas, como são as ligações, não invulgares, dos países árabes a movimentos político-religiosos radicais, uma realidade à qual Omã também não está imune.

Transferir uma parte significativa do controlo de uma infraestrutura crítica nacional para países que, em caso de conflitos internacionais, não serão certamente aliados mas, provavelmente, adversários, denota uma visão “estratégica” incompreensível e uma (in)capacidade de pensar o futuro. Mesmo que não ocorra esse cenário mais extremo, ligado a um hipotético conflito geopolítico, ao aumentarmos o grau de dependência face a regimes não democráticos e que nada têm a ver com os valores europeus e ocidentais estamos, certamente a corroer aquilo pelo qual dizemos nos orgulhar: a democracia, as liberdades fundamentais e os direitos humanos. Comparado com estes riscos, o “prémio” face às cotações em bolsa encaixado pelo Estado português é uma compensação bem parca e esta decisão poderá muito bem contribuir para hipotecar, ainda mais, o nosso futuro colectivo.

 

© José Pedro Teixeira Fernandes, 5/02/2012. Última revisão, 6/06/2015